A tecnologia muda rapidamente, as pessoas mudam lentamente

Isso significa que os designers (e não só!) precisam de ser capazes de combinar a rápida evolução da tecnologia com a mudança lenta nas necessidades humanas, ou seja, implica criar soluções que sejam relevantes e significativas para as pessoas, enquanto oferecem a tecnologia mais recente e inovadora.

Escrito com ❤️ a

28 de Março, 2023

A tecnologia está em constante evolução e mudança: não há semana em que não sejam lançados novos dispositivos, aplicações e serviços que prometem melhorar (ou revolucionar!) a nossa vida, os nossos empregos, a forma como nos entretemos ou nos relacionamos com os que estão perto e longe. Enquanto a tecnologia muda rapidamente, as pessoas mudam lentamente.

A história está cheia de ideias, invenções e tecnologias que foram um tremendo fracasso no seu lançamento, sendo que a sua adoção só se concretizou muitos anos mais tarde. O “inventor” tinha a visão correta, porém foi necessário tempo até que a mesma pudesse ser amplamente adotada e aceite.

Ao contrário do que se pensa, não foi a Apple que inventou o tablet; esse dispositivo já tinha sido apresentado ao público pela Microsoft muitos anos antes, porém sem sucesso. Foi necessário o amadurecimento da tecnologia, do design, da usabilidade e da predisposição do público para “sentir necessidade” de um dispositivo como aquele.

Essa lentidão na mudança pode ser explicada por resistência, medo e desconfiança com que as pessoas olham para o que é novo, disruptivo ou incompreensível (por ser tão avançado, que não conseguimos explicar por palavras próprias como, por exemplo, a computação quântica).

Porém, há ainda um outro fator que contribui para a lentidão na mudança: uma pessoa é complexa; uma comunidade mais complexa; uma sociedade ainda mais complexa; e por aí adiante. Ou seja, muitas vezes, para a mudança acontecer, é preciso dar tempo de adaptação e experimentação até haver confiança e conforto. É certo que casos extremos obrigam a uma rápida adaptação, como a guerra, um fenómeno natural destruidor ou uma pandemia, mas, para esta tese, deixemo-los de lado.

Mesmos nos objetos mais básicos do quotidiano que nos asseguram uma melhoria significativa da qualidade de vida começaram a ser utilizados primeiro num grupo pequeno, que depois cresceu para uma comunidade, para toda a população até o seu uso ser generalizado. Quer dizer, na teoria sim, mas, na prática, não. O exemplo pode parecer meio absurdo, mas após tantos séculos do uso de talheres, como explicar que em certas culturas se use outros meios alternativos de levar os alimentos à boca, mesmo havendo esses utensílios à disposição? Não são suficientemente claras as vantagens e facilidade do uso desses objetos?

As pessoas mudam lentamente, pois os velhos hábitos, ideias, culturas e mentalidades estão agarrados às pessoas com supercola, sem, em muitas circunstâncias, saberem muito bem a origem.

Os princípios do design são baseados na compreensão das necessidades, desejos e comportamentos humanos. Ao compreender as pessoas, os designers são capazes de criar produtos e serviços que realmente melhoram as suas vidas ao serem relevantes e significativos.

Ainda que as necessidades básicas do ser humano sejam, de certo modo, imutáveis, como as fisiológicas (ar, água, comida, exercício, repouso e saúde), de segurança (abrigo, estabilidade, segurança), sociais (sentir-se querido, pertencer a um grupo, ser incluído), de estima (reconhecimento, prestígio e autoestima) e autorrealização (desenvolvimento pessoal, criatividade, autonomia, realização), como nos explica a pirâmide de Maslow, a forma de as obter é tem variando.

A forma como vamos assegurando as nossas necessidades básicas tem mudado ao longo dos milénios através da evolução do conhecimento e da tecnologia. Ao compreender as necessidades, desejos e comportamentos humanos, os designers podem criar produtos e serviços que realmente melhorem as vidas das pessoas. Tal significa que os princípios de design baseados na compreensão das pessoas permanecem verdadeiros para sempre.

Ao compreender as crenças, atitudes e valores das pessoas, os designers podem garantir que os produtos e serviços criados são aceites e utilizados. É por razão que a compreensão das pessoas é fundamental para um design bem-sucedido.

Para levar as pessoas a abraçarem uma mudança tecnológica é indispensável comunicar claramente as vantagens e os benefícios. Elas precisam compreender como a tecnologia pode ajudá-las a atender às suas necessidades mais básicas ou o desejo por mais eficiência, ou menos esforço.

Também é tornar a tecnologia mais familiar e intuitiva. Os designers criam soluções que aproveitam os padrões de comportamento existentes e as formas como as pessoas interagem com a tecnologia. Ao incorporar elementos de design já conhecidos e familiares, os designers ajudam as pessoas a sentirem-se mais confortáveis ao usar uma nova tecnologia.

E por fim, ainda que a tecnologia possa ser disruptiva, a mudança não precisa ser radical. As pessoas são mais resistentes à mudança quando sentem que estão a ser forçadas a abandonar os seus valores basilares e suas práticas diárias. O segredo da mudança é tentar criar soluções que sejam um aprimoramento ou extensão do que as pessoas já fazem, em vez de forçar alterações radicais.

Agora, em qualquer processo de mudança — tecnológica ou outra — não cabe a nós convencermos ninguém! Ou seja, temos de estar disponíveis, à partida, que haverá quem não se interessará ou não sinta o menor desejo pela mudança ou pelas vantagens tecnológicas que lhes oferecemos (lá está, sentem-se confortáveis a comer com as mãos ou com pauzinhos).

Em conclusão, não convém esquecer: enquanto a tecnologia muda rapidamente, as pessoas mudam lentamente. Isso significa que os designers (e não só!) precisam de ser capazes de combinar a rápida evolução da tecnologia com a mudança lenta nas necessidades humanas, ou seja, implica criar soluções que sejam relevantes e significativas para as pessoas, enquanto oferecem a tecnologia mais recente e inovadora. Ao levar em conta essas considerações, os designers podem criar produtos e serviços que melhoram significativamente a vida das pessoas.

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