Conhece o programa de TV “Lego Masters Austrália” que passa na Sic Radical? Tal como o nome sugere é uma competição de modelos feitos com os mundialmente famosos blocos em plástico para montar! Modelos é capaz de ser uma má descrição, o que aquelas pessoas fazem são admiráveis esculturas em Lego.
Lego Masters Austrália tornou-se um dos programas favoritos de toda a família, mas especialmente para mim, pois mostra como funciona o processo criativo de um qualquer projeto:
- É entregue um desafio/problema
- Planeia-se a solução (fazem-se esboços e debatem-se ideias)
- Avança-se para a construção
- Surgem complicações e imprevistos que se vão (ou não) ultrapassando
- Há trabalho em equipa, distribuindo tarefas
- Há conflitos e inseguranças quanto à ideia e execução
- Há a pressão do tempo a esgotar-se e o desespero pelo muito que ainda falta fazer ou corrigir
- Apresenta-se o resultado
- Avalia-se o trabalho feito
Aquele programa é um retrato fiel dos profissionais que trabalham em criatividade, inovação, criação de “coisas” que não existem… naquela hora de televisão é possível um contacto muito próximo do ambiente que se vive em qualquer empresa ou equipa criativa. É assim ali, nas maiores agências de publicidade do mundo, na Apple, na Microsoft, na Google, na Dior, na Prada, na Rolex, na Mercedes, na Alfa Romeo, e até no meu escritório!
A avaliação do trabalho de cada equipa está a cargo de Ryan McNaught, AKA “Brickman”. Ele é um designer de Lego, o único australiano certificado em Lego e um dos vinte e um profissionais em todo o mundo. A sua avaliação é feita segundo três critérios: Estética; Narrativa; e Capacidade Técnica. Estes critérios, por si próprios, são muito interessantes e podem ser aplicados em qualquer trabalho, seja um cartaz, uma marca, um filme, um website. Embora creia que poderia discorrer mais aprofundadamente sobre estes critérios de avaliação e da sua utilidade no momento de dar feedback a trabalho criativo, desejo orientar o meu foco para um outro aspeto igualmente admirável na participação do Brickman no programa, que é o modo como ele faz direção criativa junto das equipas, sem dizer diretamente o que têm de fazer, sem favorecer ou criar algum tipo de desigualdade.
A figura de diretor criativo está, habitualmente, associada a agências de design ou publicidade, mas também nas indústrias como a moda ou automóvel, para dar os exemplos mais óbvios. O seu papel é estar à frente da gestão criativa de um projeto ou marca, sendo que por ele passam todas as decisões quanto a conceito e execução do trabalho feito pela restante equipa (que pode ser composta por designers, fotógrafos, ilustradores, engenheiros, etc.)
E tal como a forma de avaliar, Brickman tem um processo que considero surpreendente de ajudar as equipas a fazerem o seu melhor em cada desafio. Ele fá-lo de duas formas: demonstrando preocupação e desafiando os limites.
Isto é, quando o Brickman aborda uma equipa para saber como está a correr o trabalho ou que ideia vão desenvolver e percebe que as coisas não estão bem, ele não o diz diretamente, porém expressa as suas preocupações: estéticas, narrativas e técnicas.
Do mesmo modo, quando percebe que a ideia é boa e a execução está a correr bem, ele desafia as equipas para irem ainda mais além, para percorrerem a “milha extra”, de forma a superarem-se e surpreenderem-se (antes de quererem surpreender o júri, devem desejar surpreenderem-se a si mesmos. Quando tal acontece há um aumento na confiança das capacidades adquiridas e que ajudará a continuar o processo de evolução e melhoria).
Esta forma de orientar e relacionar-se com as equipas é para mim brilhante, pois ao entregar as preocupações e os desafios, a obra/projeto que estão a criar sai beneficiado. No primeiro caso, permite, no mínimo, que a construção seja satisfatória, cumprindo o objetivo do desafio (pode não ganhar, mas mantem-se em competição); no segundo, torna a obra em algo extraordinário, superando as expectativas do desafio. Olhando para o Brickman, qual o papel de um diretor criativo?
- Não é dar ideias – para isso estão os outros elementos da equipa.
- Não é dar ordens sobre o que fazer e não fazer.
- É sim, para expressar preocupações e desafiar os limites.
O diretor criativo deve ser, ao mesmo tempo, o guardião e o profeta da excelência: assegura que o projeto vai na direção certa ao mesmo tempo que motiva a que se expanda o horizonte e que se leve mais além a caminhada.
Pode parecer uma coisa fácil de fazer, mas não é. Não nego que para alguns profissionais, isto seja algo natural; mas para a maioria chegar a esta posição e desenvolvê-la bem requer treino, mentoria e superação. O exemplo de Brickman pode servir de inspiração.