Na sociedade sempre ligada de hoje, corremos o risco de nos tornar vítimas de sobrecarga de informação. A introspecção e a meditação (como ato de reflexão) são artes perdidas e que se são muitas vezes subjugadas à tentação do «vou apenas terminar mais isto», do «é muito urgente» ou o «é muito importante» que são com frequência difíceis de resistir. Porém, trabalhar muito ou estar sempre ocupado não é sinónimo de utilização inteligente do tempo ou de grande produtividade. Na verdade, relaxar ou reservar tempo para fazer literalmente nada pode ser o melhor comportamento para deixar o nosso estado de espírito à mercê da imaginação e da criatividade e deste modo melhorar a nossa saúde mental – especialmente se falamos de profissões que requerem uma intensa atividade intelectual.
O trabalho excessivo tomou conta das nossas vidas – e em muitos casos, permitimos isso. Veja ao seu redor, nos transportes públicos, nas esplanadas ou cafés quantas pessoas estão coladas aos seus smartphones ou tablets a consultarem emails ou a trocarem mensagens, durante aquele período que deveria servir para relaxarem e abrandarem os pensamentos.
O desafio torna-se ainda maior quando se trabalha por conta própria ou numa pequena estrutura. Quando somos os criativos, mas também os gerentes, comerciais, financeiros e até quem trata da manutenção e do economato é difícil encontrar tempo para sossegar e refletir sobre o futuro ou sobre decisões difíceis. O mesmo acontece também a quem está inserido numa organização de alguma dimensão, onde, para tudo e para nada, se enviam emails ou se telefona a pedir respostas que poderiam ser encontradas com um pouco de investigação e esforço do interlocutor.
Mas voltemos ao tema principal. Fazer nada ou descansar nunca foi, historicamente falando, realmente aceitável pela sociedade em redor. Normalmente associamos essas atividades com irresponsabilidade, preguiça ou desperdício de tempo. Pense da última vez que afirmou que não fez nada naquele dia ou esteve a descansar por umas horas e logo ouviu dizer «que bela vida!» Na verdade, sentimo-nos muitas vezes culpados se não tivermos nada para fazer ou simplesmente decidirmos não nos envolvermos em nenhuma atividade ou compromisso.
Parece ser mais fácil estarmos sempre distraídos ou ocupados a consultar o email ou as redes sociais para estimularmos o cérebro com mais uma boa dose de dopamina e sentirmos aquela falsa sensação de bem-estar. Como é falsa a sensação de que estamos ligados aos outros. Pelo contrário, afastamo-nos dos outros e de nós mesmos.
Se não dermos a nós próprios períodos regulares de não fazer nada, dando liberdade ao pensamento, à reflexão e à ponderação, então não seremos capazes de crescer intelectualmente e será mais difícil a criatividade ter espaço para emergir.
Benefícios de estar aborrecido
São vários os investigadores que acreditam que estar aborrecido pode facilitar as ideias e os pensamentos mais criativos e originais.
Por exemplo, num estudo dirigido pela psicóloga Sandi Mann, os investigadores deram um conjunto de tarefas aborrecidas a vários grupos, que depois de completadas, tiveram de utilizar o pensamento criativo. Os indivíduos que tiveram de executar a tarefa mais aborrecida – como copiar números de telefone de uma lista telefónica – foram aqueles que conseguiram ideias mais interessantes para o uso de copos de plástico.
Mann afirma que o tédio incentiva a mente das pessoas a “vaguear”, levando-as a formas mais associativas e criativas de pensar.
Mas na era digital, temos um número quase infinito de distrações e entretenimento nas mãos, o que torna fácil estarmos constantemente ocupados e difícil de tolerar não ter nada para fazer. É sintomático, e falo por experiência própria, que quando chego a uma fila de supermercado, retiro logo o telefone do bolso e procuro alguma novidade ou algo para me distrair, quando poderia procurar essa distração no próprio ambiente em redor observando as pessoas e o que se passa à volta, por exemplo.
Férias como período de autoavaliação e reflexão
Em tempo de férias tendemos a estar mais descontraídos e deixamos a nossa mente vaguear para longe das pressões e obrigações do quotidiano. Uma vez que a autoconsciência é a base da inteligência emocional, vale a pena planear umas férias que lhe deem a possibilidade de perceber mais coisas sobre si mesmo, que na correria do dia a dia não está atento. Aliás, na minha experiência pessoal, aquilo que fazemos bem e fazemos mal sobressaem durante as férias. Por exemplo, se somos impacientes, durante as férias essa impaciência irá notar-se ainda mais, pois em vez de nos deixarmos contagiar pelo ambiente descontraído, isso causa-nos irritação.
Pessoas de alta inteligência emocional entendem como este período é importante. Por isso, aproveite para abrandar de ritmo e utilize o tempo e a calma para fazer uma autorreflexão sobre si e sobre o ano de trabalho que passou. Pergunte-se:
- Em quê/com quem desperdicei tempo durante o ano?
- Que situações ou pessoas me levaram a tomar más decisões?
- O que mais gostei de fazer durante o ano?
- Em que me posso desafiar?
Estar descontraído, relaxado e em paz é uma excelente oportunidade para fazer este tipo de autoavaliação e reflexão, tirando tempo para estar sozinho com os seus pensamentos.
As férias são um grande momento para revisitar os objetivos passados ou mesmo para definir novos. Quando estamos longe da rotina diária, ficamos numa melhor posição para avaliar onde estamos na vida e onde gostaríamos de estar. Pessoalmente, não posso esquecer das férias que tirei no final do ano de 2015 que me levaram a uma profunda reflexão sobre a minha atividade como freelancer. Fiz nessa época 3 perguntas a mim mesmo que me ajudaram a mudar o curso do meu trabalho: se estava feliz? Se trabalhava como freelancer pelos motivos certos? Se a forma como trabalhava era a melhor para mim e para os meus clientes? Às duas primeiras respondi sim. A terceira foi o catalisador de toda uma mudança.
Eis o meu desafio para si: nas próximas férias (ou fim de semana prolongado) faça o mesmo. Tire tempo para fazer absolutamente nada; deixe a mente vaguear para encontrar novas ideias e soluções a problemas que não tem conseguido resolver; e tire tempo para refletir.
O que faz nas férias ou no tempo livre pode não mudar por inteiro a sua vida ou carreira, mas é possível que no regresso venhamos emocionalmente mais inteligentes sem termos dado conta: a forma como as férias estimulam outros sentidos e nos abrem a novas experiências são o gatilho para gerarem novas ideias e pensamentos dentro de si. No regresso, pode não vir logo com uma ideia ou solução pronta, mas virá, seguramente, inspirado para construir algo novo.