Deu muito que falar um tweet partilhado pelo Partido Socialista sobre a percentagem de pessoas vacinadas contra a Covid-19 em Portugal, em comparação com os restantes países da União Europeia. O gráfico de barras foi engenhosamente desenhado para parecer que existia uma enorme desproporção de número de vacinados, quando a diferença era apendas 0.23%.
Não deixo de elogiar o engenho gráfico. Engenho este que não é exclusivo do mundo da política ou deste partido (se ler o artigo do Observador, encontrará outros exemplos, nacionais e internacionais).
O que não faltam são exemplos de anúncios claramente manipulados em que a realidade está separada da publicidade por várias galáxias! As indústrias de cosméticos, jogos de sorte, alimentação, moda, bebidas, automóvel, só para enumerar algumas, recorrem em abundância à manipulação gráfica para venderem os seus produtos e transmitirem as suas mensagens e emoções.
Eu próprio tenho de admitir que, inconsciente ou não, contribuí(o) de certo modo para essa distorção da realidade: por exemplo, quantas fotografias editei e manipulei para a pessoa ficar com um ar mais simpático e atrativo? Coisas mínimas, pensamos nós: aumentar o brilho e a cor dos olhos; tornar o sorriso mais aberto; branquear os dentes; alongar um pouco o pescoço e aumentar só um bocadinho as maçãs do rosto… E muitas vezes dizemos que é para mostrar o melhor lado daquela pessoa. Sim, há alguma verdade nisso; mas, como vê, esses limites são pouco claros e nem sempre somos capazes de impor uma fronteira.
Também fazemos o mesmo na forma como apresentamos determinada informação de um produto ou serviço, procuramos influenciar um utilizador de um software a realizar uma tarefa sem pensar ou um consumidor a comprar algo por mero impulso. Claramente, não olhamos a meios para atingirmos os fins.
Numa época saturada de informação – em que dificilmente já conseguimos distinguir o verdadeiro do falso – onde há demasiadas pessoas a tratar só de aparências ou de meias-verdades, o design enquanto técnica que organiza ou ilustra mensagens, dotando-as de características únicas e memoráveis para serem assimiladas pela população a que se dirige, deverá ser regido por algum tipo de ética?
Não será contraditório ao design como disciplina que procura resolver um problema, ser ele mesmo a criar ou a aprofundar a confusão, a desinformação, a manipulação, a desordem, etc? Claro que poderá argumentar que qualquer coisa pode ser utilizada para o bem e para o mal e que o design não está imune a maus usos.
Mas não estará em nós, de forma consciente, o poder de não contribuirmos para este mau uso? Não creio que seja preciso legislar ou regulamentar – Deus nos livre de algum político iluminado querer produzir legislação para fiscalizar o mau uso do design! –, mas podemos, individualmente e conforme a nossa consciência e princípios, recusar embarcar nesses métodos manipulativos e não alimentar mais a confusão e a desinformação. Este ato deve ser sempre voluntário e nunca imposto.
Pode ser utópico, mas se mais e mais profissionais individuais e agências – grandes ou pequenas, pouco conhecidas ou famosas no mercado – se juntarem nesta causa de não contribuírem para o engano e confusão, então creio que será um pequeno grande passo em direção a uma sociedade melhor, mais livre, mais bem informada e menos insegura e desconfiada.
É óbvio que uma atitude destas terá consequências! É mais do que provável que se percam clientes e que trabalhos sejam rejeitados. Não tenhamos ilusões. Mas há certos princípios pelos quais vale a pena lutar.
Tal como muitos textos e reflexões que partilho consigo, este assunto, de uma ética para o design, não está claro e totalmente resolvido na minha cabeça. A construção de uma qualquer ética é um processo lento, individual e muito pouco conclusivo (vemos como em questões fraturantes se divide a sociedade). Porém, pergunto-me se, como diz um conhecido programa de televisão que «Todos os dias lemos e ouvimos muitas notícias e tantas afirmações. Mas em quem podemos acreditar? Onde acaba a verdade e começa a mentira?», não deveria ser uma ambição do design contribuir para o bem-comum, «numa manifestação da capacidade do espírito humano transcender as suas limitações» (George Nelson, The Problems of Design, 1957)?