Jerry Seinfeld é um dos mais conhecidos humoristas de todo o mundo. Ficou famoso nos anos 90 por interpretar uma versão semi-ficcionada de si mesmo, na sitcom com o seu nome. Sou um incontestável fã de Seinfeld, tendo já visto, repetidamente a série, como outros projetos dele, como o talk show Comedians in cars getting coffee.
Toda esta introdução vem a propósito do seu novo livro «Is This Anything?», traduzido para português como «Isto tem piada?». O livro é uma longa compilação de cinco décadas de piadas escritas pela mão do autor. Para quem aprecia, são páginas e páginas carregadas de um humor hilariante e de observações brilhantes.
O livro começa com os seguintes parágrafos:
”Isto tem piada?” é o que os humoristas costumam perguntar aos colegas a respeito de uma piada nova.
Ideias que surgem do nada e que não significam nada.
Mas que, no mundo do stand-up comedy, são autênticos lingotes de ouro.
Quando o encontramos depois do set, o humorista pergunta-nos: “Funcionou?”
Todos os humoristas ficam ligeiramente perplexos quando uma piada funciona.
Sei o quão é arriscado é o que vou fazer, mas desejo pegar neste excerto e rescrevê-lo aplicando-o aos criativos. Eis o resultado:
”Será que funciona?” É o que criativos costumam perguntar aos colegas a respeito de uma criatividade nova!
Ideias que surgem do nada e que muitas não significam nada.
Mas, que no mundo da criatividade, são autênticos lingotes de ouro.
Quando o encontramos depois de apresentada a ideia, o criativo pergunta “e que tal?”
Todos – criativos e não criativos – ficam ligeiramente (ou muito!) perplexos quando uma ideia funciona.
Há uma certa opinião romanceada sobre os criativos, como se de uma outra espécie de pessoas se tratasse. É verdade que um criativo tem uma sensibilidade diferente ao que o rodeia e um olhar acutilante para os pormenores que muitas vezes são desvalorizados. Não discuto se muitos criativos são naturalmente talentosos ou se construíram e moldaram o seu talento. Conheço pessoas dos dois perfis.
Também é verdade que – olhando de fora – há uma certa energia na atmosfera quando dois ou mais criativos se juntam para criarem alguma coisa, resolver um problema ou simplesmente especular sobre uma determinada ideia. São momentos carregados de uma vibrante excitação!
Porém, o que muitas pessoas não se apercebem é o risco a que um criativo se submete ao apresentar uma ideia! Tal como os humoristas, só exibindo, só questionando, vou subindo a um palco exposto a toda a sorte de vulnerabilidades, é que o criativo sabe se aquela ideia está ou não certa (ou pelo menos se tem alguma viabilidade de evoluir)!
Já se apercebeu que muitos criativos estão permanentemente em busca da validação das suas ideias? Às vezes até se tornam repetitivos, sempre a perguntar: «o que achas disto?» «Escuta esta ideia que tive. Achas que funciona?» Tal como os humoristas que precisam dos risos para comprovarem o valor das suas piadas, o criativo precisa de feedback constante para dar continuidade às suas ideias e criatividades. Até na arte tal acontece: mesmo que o artista simule aquela atitude arrogante de quem não quer saber o que pensam do seu trabalho, tal não é assim tão verdadeiro. Tirando a questão do gosto, um artista só se sente realizado se tiver sido capaz de gerar algum tipo de reação.
A questão da criatividade não é se a pessoa é ou não criativa: é se ela é capaz de se expor e expor as suas ideias. Um humorista não tem piada em frente ao espelho. Tem piada quando uma plateia se ri! Quando alguém afirma que não é uma pessoa criativa, o que ela está a dizer é que não se sente capaz de mostrar as suas vulnerabilidades. Ser um criativo é estar permanentemente numa posição vulnerável.