Foi em 1999 que nos conhecemos. Erámos ambos caloiros no IADE e pertencíamos à mesma turma do curso de Design.
A minha inclusão naquele novo ambiente não foi fácil. Levava um conjunto de expectativas que depois não se vieram a cumprir. Por isso, demorei a integrar-me na turma e na cultura da Faculdade. Mas, se a memória não me atraiçoa, o João Oliveira Simões foi daqueles que não desistiu de se aproximar. Nisso tenho de lhe dar todo o crédito – se hoje mantemos contacto, mais de uma década depois, é porque ele deu o primeiro passo e não desistiu.
Mantivemo-nos juntos nos primeiros dois anos da licenciatura e depois separamo-nos, embora tenhamos escolhido a mesma área de especialização – Design Visual – eu fui estudar no horário da manhã e o João no da tarde. Ainda assim, lá nos íamos cruzando nos corredores e trocando informações sobre os trabalhos que estávamos a fazer para as diversas disciplinas.
Ao longo destes anos, fomo-nos encontrando, esporadicamente, mas a internet nunca deixou de nos informar sobre o paradeiro de um e do outro – primeiro, pelo Windows Messenger e, depois, pelo Facebook. Pessoalmente, tem sido muito gratificante acompanhar a carreira do João, que já deu reviravoltas extraordinárias e que vale a pena conhecer.
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Os geeks perceberão este antetítulo: é o comando para iniciar um programa nos velhinhos ZX Spectrum. E foi relembrando este gesto que demos início à nossa conversa, com o João a contar como ficava fascinado com os gráficos dos jogos do Spectrum e como nunca imaginou, anos mais tarde, ter uma carreira a desenhar interfaces de aplicações móveis. Talvez me esteja a adiantar. Começando do início…
Por influência do pai – que recomendou esta escola como sendo a melhor – estudou na Escola Secundária António Arroio, conhecida pela sua vertente de ensino das artes e do design pelo antigo método de Mestre / Aprendiz. Aí teve contacto com as disciplinas de projeto, mas foi o carácter prático da Escola que mais o marcou, pois permitia que os alunos terminassem o currículo com um portfólio prático, não só de projetos e esboços, mas de objetos acabados e produzidos.
Depois ingressou no IADE com vontade de prosseguir os estudos na área do Design de Equipamento, mas um estágio de Verão fê-lo mudar de ideias. Recordou essa breve passagem pela agência de publicidade de uma tia sua, onde participou nos projetos que estavam a ser desenvolvidos sentindo-se como «gente grande». Essa pequena experiência mudou o curso dos seus planos, escolhendo, para a especialização, Design Visual.
Após terminado o curso superior, ainda marcado pela experiência do estágio, decidiu procurar trabalhar na área da publicidade, concorrendo para as principais agências do país. Explicou que não teve sucesso pois não se encaixava num certo estereótipo nem trazia as referências visuais e culturais do mundo da publicidade, que era um requisito.
Acabou por aceitar um emprego temporário, numa agência de publicidade, para trabalhar num projeto específico, ao qual, concluído com sucesso, seguiu-se o convite para continuar. Tinham como principal cliente o Pingo Doce, para o qual produziu inúmeros trabalhos, muitas vezes ao ritmo alucinante de longas jornadas de trabalho.
A escolha entre família e carreira
Nos quatro anos que permaneceu nessa agência, a sua carreira foi evoluindo e as responsabilidades também. Mas, depois de casar-se, rapidamente percebeu que a conciliação do trabalho numa agência de publicidade e a vida familiar não estava a resultar.
«Tive sorte», concluiu, depois de se lembrar que em apenas 15 dias encontrou um novo local para trabalhar. Desta vez, numa agência de design com vocação para produção de trabalho de branding, onde permaneceu sensivelmente 4 anos. Recordou que a passagem por essa agência foi muito importante para o desenvolvimento de atributos e competências pessoais, como saber falar com clientes ou fazer apresentações de propostas, muito úteis para as funções que desempenha hoje. Mas havia um sentimento de solidão por ser o único designer e, por isso, sentia falta de estar num ambiente onde pudesse ser mais desafiado para continuar a evoluir.
Fruto dessa necessidade foi estudar na Lisbon aD School, onde teve contacto com vários dos diretores criativos das principais agências de publicidade e design em Portugal. Foi uma espécie de reviver os tempos da Escola António Arroio, pois o sistema de ensino era semelhante: trabalhava-se a partir de projetos práticos, com os professores a acompanharem o desenvolvimento e aconselhando a melhor solução, a partir da sua experiência no meio.
Um festival que mudou a vida
Na Lisbon aD School teve acesso a bilhetes para o OFFF Festival, um dos maiores festivais internacionais de criatividade e criação contemporânea, que, no ano de 2008, foi realizado na cidade de Lisboa. Desse evento recordou o conselho que ouviu e que foi o propulsionador de uma profunda mudança na sua carreira:
Com este conselho em mente, decidiu meter mãos à obra. Pediu uma semana de férias para se dedicar a tempo inteiro à ideia que tinha e assim nasceu a IDShirt, uma t-shirt com um QR-Code e que era vendida através do website que desenvolveu em Flash. Este projeto valeu-lhe alguma projeção nos médias, que se interessaram pela ideia e produto, lembrando o João as idas aos CTT, à hora do almoço, para satisfazer as encomendas.
Passado algum tempo, a Innovagency ouviu falar deste projeto e convidou-o a integrar a sua equipa de design, numa posição de maior responsabilidade e onde pôde trabalhar em projetos de grande dimensão, como a APP para a Ana Aeroportos ou a Quiosque Vodafone.
Sobre saber ou não programar
Perguntei-lhe se, quando chegou à Innovagency, não sentiu a limitação de ser um designer que não programava, estando num ambiente de trabalho em que a maioria era constituída por programadores.
Designers e programadores têm tudo a ganhar numa relação de equipa e mútua ajuda para o bem do projeto, existindo hoje, como explicou, «ferramentas fantásticas, como o Zeplin, que exportam automaticamente o desenho, a partir do Sketch ou do Photoshop, permitindo ao programador encontrar toda a informação que necessita para o trabalho de integração», o que acelera o processo de visualizar e interpretar a visão do designer, no momento de converter pixéis em código. Além disso, é do interesse dos designers e programadores que o projeto, no final, seja de alta qualidade, pois é esse reconhecimento que lhes permitirá evoluir na carreira.
Durante o tempo em que esteve a trabalhar na Innovagency, registou-se na rede social dirigida a designers e criativos Dribbble. Quis perceber melhor a importância desse meio. «A minha vida mudou!», afirmou. Contou que começou a colocar pequenas imagens do que estava a desenhar no momento para obter feedback da comunidade e que algumas dessas imagens tiveram uma grande exposição, ao ponto de começar a receber contactos para projetos de freelancer, e que um desses convites de trabalho veio de São Francisco. Tirou uma semana de férias e foi para lá trabalhar nesse projeto.
Um novo desafio, a mesma escolha!
Foi através do Dribbble que um investidor americano recomendou o trabalho do João a uma start-up de Nova Iorque, que necessitava da colaboração de um designer. Chamava-se Handybook (hoje, apenas Handy) e providencia serviços de limpeza doméstica, bricolage, entre outros, através do seu site e aplicações móveis.
Recebeu o convite para se mudar para Nova Iorque e trabalhar a tempo inteiro nessa empresa, mas, uma vez mais, a família pesou na sua decisão, pois percebeu que, por muito tentador que fosse viver e trabalhar naquela cidade, não asseguraria a qualidade de vida que deseja para a família, já com 2 filhos.
Conseguiu convencê-los a trabalhar a tempo inteiro, em regime remoto, a partir de Portugal, com idas e estadias esporádicas e temporárias aos Estados Unidos, tendo para isso, contado com a ajuda preciosa da esposa que lhe providenciou toda a motivação e estabilidade familiar necessária. Assim se manteve durante cerca de três anos, nos quais se dedicou a tempo inteiro a desenvolver e a melhorar cada aspecto do site e das aplicações móveis da Handy, para garantir a melhor experiência de utilização e cumprir os objetivos propostos. Explicou ainda que trabalhar em regime remoto foi muito desafiante – para ele e para a empresa que o contratou – pois requer grande confiança em quem contrata e grande responsabilidade para o colaborador. Mas, concluiu que no caso dele, foi capaz de se adaptar e cumprir tudo o que lhe pediram.
Mas o seu espírito irrequieto e empreendedor – e a montra do Dribbble – levaram-no a continuar a aceitar mais projetos. Percebeu que havia aí uma janela de oportunidade e, para fazer face às necessidades, começou a recrutar colaboradores para trabalhar consigo. Daí até nascer a 44 Studio foi um pequeno passo.
A 44 Studio
O João, hoje, lidera a 44 Studio – um estúdio de design e desenvolvimento de aplicações para IOS e Android – com clientes nacionais e internacionais. Afirmou que a sua preocupação no desenvolvimento de aplicações é maior em User Experience do que em User Interface, pois, como explicou, os sistemas operativos IOS e Android têm estilos visuais pré-definidos muito fortes, os quais devem ser aproveitados, o que facilita a integração e utilização, pois tudo é já familiar ao utilizador, tendo uma curva de aprendizagem menor. Por outro lado, pode-se surpreender o utilizador, através das transições de ecrãs ou animações dos objetos, como os botões ou formulários.
Mas confessou que este novo estágio da sua carreira acarreta uma enorme responsabilidade, pois agora o seu trabalho não provê apenas para a sua família, mas para os seus diversos colaboradores, e por esse motivo, é para si fundamental manter um alto padrão de qualidade para entregar aos clientes o melhor trabalho que possível.
A carreira de um designer não é estática! Talvez seja este um dos grandes atrativos desta profissão, quando comparada com outras. Hoje, desenhamos anúncios, folhetos, livros; amanhã, aplicações, websites e software. Da mesma forma que fazemos escolhas no decorrer de um projeto e avaliamos o impacto das mesmas, temos de saber escolher o que é o melhor para a nossa carreira, vida pessoal e familiar – e é nestas escolhas que se pode encontrar plena realização!