Melhor é impossível e as preciosas lições de Melvin Udall

Melvin Udall é sem dúvida uma personagem complexa e até difícil de se gostar, mas ela ensina-nos algumas lições preciosas

Escrito com ❤️ a

2 de Fevereiro, 2023

Melvin Udall é a personagem principal do filme “As Good as it Gets” (Melhor é impossível) de 1997, brilhantemente interpretado por Jack Nicholson. É um dos meus filmes favoritos e ainda me recordo muito bem o dia em que vi pela primeira vez no cinema. Desde então, se está a passar na televisão e tenho disponibilidade, gosto de o rever, mesmo já sabendo de cor algumas das cenas e diálogos.

Se não conhece, o filme conta a história de Melvin Udall, um escritor de romances de sucesso que sofre do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), e de Carol Connelly, a empregada de mesa do restaurante onde ele costuma comer. Graças à sua condição, Melvin tem uma série de rotinas e hábitos que segue religiosamente de forma a evitar momentos de ansiedade e insegurança, como trancar e destrancar a porta de casa cinco vezes ou não pisar as linhas do chão; é rígido e tem dificuldade em lidar com qualquer tipo de mudança ou imprevisto; é solitário, pois não se relaciona com ninguém e não há quem tenha paciência para aturar as suas manias; é brilhante no seu trabalho, mas não consegue aceitar o elogio; a sua personalidade é ácida e sarcástica; exterioriza todos os seus preconceitos com a sua língua mordaz e sem filtros; é impulsivo e por isso não acarta regras básicas de comportamento.

Porém, à medida que o filme avança, vemos o tremendo esforço deste detestável homem em se transformar quando percebe que está apaixonado pela Carol Connelly.

O filme é adorável. Usa uma premissa improvável como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo para nos contar uma história que nos deixa esperançosos relativamente à empatia e ao desejo de superar os piores obstáculos da vida. Ensina-nos também que, por vezes, as pessoas que nos ajudam nos piores momentos são aquelas de quem menos esperaríamos; que ideias pré-concebidas não são uma opção, e que o mundo pode ser um lugar melhor se tratarmos o próximo como gostaríamos que nos tratassem a nós.

Creio que, mesmo não sofrendo de TOC, todos temos um pouco de Melvin Udall em nós nos momentos em que sentimos ansiedade ou insegurança perante situações desconhecidas; na dificuldade em lidar com as mudanças repentinas ou imprevistos da vida e na procura de lugares seguros; na desconfiança como lidamos com os que são diferentes de nós; ou no desejo de agradar e tentarmos sermos melhores pessoas.

Apesar das suas muitas falhas, há algumas lições valiosas que podemos aprender com o Melvin.

A importância da empatia

Ao longo do filme Melvin Udall mostra-se emocionalmente distante e incapaz de compreender os sentimentos dos outros. Por isso é rude, insultuoso e não se inibe de magoar as pessoas à sua volta. No entanto, à medida que a história prossegue, ele começa a desenvolver uma perspetiva mais empática. Isto é mais evidente nas suas interações com Carol: apesar do desprezo inicial por ela, Melvin começa a compreender as suas lutas e acaba por se tornar o seu aliado (primeiro por razões egoístas, mas depois por genuína solidariedade). Assim também Carol, quando se disponibiliza para conhecer melhor este homem áspero e vil, permite-se vê-lo além dos seus comportamentos erráticos e ligar-se à sua humanidade. A empatia é isto: colocarmo-nos no lugar do outro para compreendermos a sua realidade, independentemente da pessoa, de estarmos ou não de acordo ou de quanto simpatizamos com ela. A verdadeira empatia é conseguirmos calçar os sapatos do outro, de ver com os seus olhos para compreendermos a sua perspetiva.

A necessidade do autoaperfeiçoamento

Ao longo do filme somos confrontados com os muitos defeitos de Melvin Udall. No entanto, conforme vai desenvolvendo empatia e criando ligações emocionais com os que o rodeiam, começa, aos poucos, a mudar: torna-se mais bondoso, mais compreensivo, mas, acima de tudo, uma pessoa melhor. Esta transformação serve de lembrete que nunca é tarde para trabalharmos sobre nós mesmos e tornarmo-nos na nossa melhor versão.

A superação do medo

O medo é normal. Todos nós o experimentamos e, dependendo das circunstâncias, é uma coisa prudente, aceitável e necessário! E provavelmente, o maior medo das pessoas não é de aranhas ou cobras, mas sim, do desconhecido. Os piores medos de Melvin Udall não são os germes (e por isso usa os seus talheres de plástico no restaurante), nem pisar as linhas do chão temendo que este se suma por baixo dos seus pés, ou que lhe assaltem a casa e por isso tranca e destranca a porta várias vezes; o seu grande medo é das interações sociais e daí a sua dificuldade em se relacionar com outras pessoas (não será também o nosso?). Ao longo do filme, Melvin vai superando este medo, a começar pelo cão do seu detestável vizinho, e depois, pelo próprio vizinho. Os medos superam-se devagar e em pequenas doses. E as relações pessoais começam como a pequena centelha que acende a fogueira.

A busca pela excelência

Há uma frase emblemática dita pelo protagonista quando se apercebe que precisa de mudar e melhorar: “What if this is as good as it gets?” (E se isto for o melhor que consigo?) Não são poucas as vezes que penso isto mesmo de mim ou do meu trabalho: “Serei capaz de superar?” “Ficarei por aqui, ou isto agora é sempre a descer?” “E se não for capaz de superar as expectativas que tenho de mim?” Para quem brio no que faz – profissionalmente e não só – é fácil e perigoso emaranhar-nos neste tipo de pensamentos. A busca da excelência é boa. Defendo isso e exijo isso mesmo de mim. Porém, reconheço como pode deixar-nos exaustos e sozinhos.


Em conclusão, Melvin Udall é sem dúvida uma personagem complexa e até difícil de se gostar, mas ela ensina-nos algumas lições preciosas: a sua viagem em direção à empatia, a perseverança e autoaperfeiçoamento são inspirações para todos nós. Tal como ele, que possamos ter a coragem de afirmar: “You make me want to be a better man!” (Fazes-me querer ser um homem melhor.)

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