«Tudo tem de estar visível no ecrã», «Todo o conteúdo importante tem de ocupar os primeiros 30% do ecrã» ou «Desenhe o site como se fosse um PowerPoint!». Estes comentários parecem-lhe familiares?!
Todos os webdesigners e programadores ouviram este tipo de comentários vezes sem conta. Eles são ecos do tempo dos jornais em papel. Lembram-se que, antigamente, os jornais tinham um formato enorme e, por isso, eram dobrados em dois e colocados assim nas bancas. Por exemplo, o Expresso ainda é assim, mas a maioria dos jornais portugueses já adoptaram formatos menores. Por isso, era compreensível que o conteúdo em destaque ficasse na primeira dobra, que era a que seria visível quando exposto na banca do quiosque.
Nos anos 90 e princípios de 2000 também fazia sentido aplicar esta regra aos websites. As pessoas não estavam acostumadas a usar o scroll. No advento da era dos CD-ROM, estes funcionavam numa lógica de navegação para a frente e para trás, através das setas de navegação. Até aí, o uso do gesto de scroll, mesmo em conteúdos extensos de texto, era pouco comum. E a introdução das hiperligações no meio dos textos funcionava, muitas vezes, como forma de prevenir o scroll. Assim, os utilizadores de computadores dessa década estavam muito habituados a navegar de clique em clique. Usar o scroll não parecia natural, até porque os ratos não tinham roda de scroll, os detentores de portáteis uma minoria, e ecrãs tácteis e dispositivos móveis só nos sonhos de alguns!
Hoje a situação que se vive é bem diferente, pois os dispositivos digitais mudaram – aliás, como referi, até os jornais tradicionais em papel mudaram – em quantidade (hoje temos PCs, tablets, smarphones, smartwatchs), tamanho (já não se desenha para um único ecrã, como até há 5 anos atrás) e diversidade de navegação (podemos usar o rato ou os dedos diretamente no ecrã). Também surgiram as redes sociais e websites com conteúdo infinito, isto é, quando mais descemos no ecrã, mais conteúdos vão aparecendo.
Já não existe o «ficar tudo visível no primeiro ecrã»…
Como acima referi, hoje existe uma enorme variedade de tamanhos de ecrãs, que podem estar na vertical ou na horizontal e que têm mais ou menos qualidade na definição e na cor da imagem; por isso, se desejássemos adaptar o nosso website para que tudo aparecesse visível no primeiro ecrã, teríamos de dedicar uma vida inteira a essa tarefa sem existir o mínimo de vislumbre de sermos bem-sucedidos.
Luke Wroblewski é reconhecido internacionalmente como digital product leader que já desenhou e desenvolveu software para mais de um bilião de utilizadores em todo o mundo. Ele publicou no twitter uma imagem elucidativa da quantidade dos tamanhos e formatos de dispositivos que existem hoje… e essa contagem continua a crescer.
There is no fold. [part 6] pic.twitter.com/T1b7AnkDCS
— Luke Wroblewski (@LukeW) December 8, 2014
O meu primeiro ecrã é diferente do teu… e do teu… e do teu… e do teu…
Então, deixa de fazer sentido continuarmos a falar em «visível no primeiro ecrã» e a exigirmos que seja uma regra ou requisito no desenvolvimento de um website, pois o «primeiro ecrã» varia de dispositivo para dispositivo; até posso afirmar que varia consoante o momento do dia, pois o «primeiro ecrã» de um website de notícias que vejo de manhã no meu smartphone, por exemplo, não é o mesmo que verei quando consultar o mesmo website no meu computador e será igualmente diferente quando utilizar o tablet.
Recorremos uma vez mais a Luke Wroblewski, que num outro artigo afirma que «colocar todos os elementos no primeiro ecrã não garante que esses sejam visíveis ou percepcionados, porque os utilizadores têm a tendência de usar o scroll quase de imediato».
Scrollbars
O uso, cada vez mais generalizado, dos smartphones como primeiro dispositivo de acesso à internet exacerbou a necessidade da utilização do scroll como um requisito e não um mal que se tem de evitar a todo o custo. Por exemplo, nos dispositivos iPhone e MacOS X já nem sequer mostram as barras de scroll no ecrã, pois a Apple percebeu que os seus utilizadores já estão suficientemente familiarizados com este gesto.
Estudos e experiências provam que todos scrollam!
Já reparou que todos os grandes websites, como Facebook, Amazon, Twitter e eBay, fazem um uso extensivo do scroll e que não teriam outra forma de funcionar com conforto para os utilizadores se assim não fosse? Até os websites noticiosos funcionam deste modo.
Mas se ainda não está convencido, a agência digital HUGE quis comprovar se isso é mesmo assim, como pode observar nestas imagens.

As conclusões parecem bastante elucidativas.
Recomendações
O que podemos aprender, consultando diversos artigos que se dedicam a esta temática, é que os utilizadores – independentemente de terem indicações visuais para fazerem scroll – fazem naturalmente scroll, sem pensarem muito nesse gesto. Isso é libertador para os designers, programadores e, em especial, os clientes para quem trabalhamos.
Como em todas as áreas da vida, é importante avaliarmos sempre o contexto em que estamos a trabalhar, e, dependendo dele, adaptarmos as nossas soluções visuais. Por isso, o raciocínio deve ser ao contrário, isto é, em vez de «tenho de desenhar tudo para estar visível no primeiro ecrã e evitar o scroll» passo a estar atento a se «o que estou a desenhar impede que o utilizador se aperceba que há mais conteúdo por baixo».