Há cerca de dois anos comecei a usar o ChatGPT. Recordo-me do primeiro contacto: a sensação de puro assombro, quase mágico, como se tivesse diante de mim uma nova forma de inteligência — uma que não dorme, não se cansa, não se esquecem, tudo sabe, tudo responde com uma confiança inabalável! Durante semanas explorei-o com um curiosidade quase obsessiva. Havia uma sensação de superpoder, de que, pela primeira vez, podia fazer tudo sozinho: escrever, programar, planear, resolver problemas complexos com uma simplicidade desconcertante. Era como ter uma equipa invisível, incansável, sempre pronta a transformar uma ideia em realidade (o que para um profissional independente é um sonho tornado realidade!).
Mas esse entusiasmo têm-se tornado ambíguo. Explico: cada vez mais me percebo que algo em mim está a mudar. Primeiro, uma espécie de impaciência: já não tolero o vazio de um parágrafo em branco, a incerteza de não saber por onde começar ou o desafio que é responder a uma mensagem difícil. Depois há a preguiça: uma preguiça sofisticada, intelectual, quase justificada. “Porque hei-de de pensar tanto, se posso simplesmente pedir ajuda à máquina?” E, por fim, um certo vazio. Um cansaço diferente. A sensação de estar a produzir mais, mas a sentir menos.
Há momentos em que dou por mim a duvidar da minha própria capacidade. Quando o ChatGPT não acerta, a culpa não é dele, mas minha que não instruí bem; quando acerta, onde está o meu mérito? É estranho! A ferramenta que deve facilitar o trabalho começa, subtilmente, a roubar algum do prazer de o fazer.
E por isso, tenho-me perguntado: se a máquina está aqui para me ajudar, porque é que às vezes me sinto menos feliz ou excitado com o trabalho?
Foi então que encontrei um texto do Tobias van Schneider com um título provocador: “Como contrariar o entorpecimento mental causado pela IA.” Li-o devagar e percebi que aquilo não era apenas um artigo sobre tecnologia: é um aviso sobre o que estamos a perder sem perceber. Porque a verdadeira ameaça não é a inteligência artificial em si, mas o adormecimento gradual da nossa própria inteligência humana.
Como contrariar o entorpecimento mental causado pela IA
É preciso aceitar o esforço
A conveniência total é um veneno doce: quanto mais nos habituamos a não lutar, menos nos tornamos capazes de pensar por conta própria. As tarefas difíceis — escrever, desenhar, resolver, insistir — são o ginásio da mente. A frustração é, na verdade, o músculo a crescer. Quando a tecnologia elimina o esforço, elimina também a aprendizagem, e sem aprendizagem não há prazer nem realização. O desconforto é o que nos faz sentir vivos.
Não se pode delegar tudo à máquina
Há gestos e competências que valem pelo simples facto de os praticarmos: escrever um texto à mão, fazer uma conta de cabeça, tomar uma decisão sem consultar o algoritmo. Não se trata de eficiência, mas de humanidade. Automatizar é útil, mas se automatizarmos tudo, desaparecemos do processo — e o processo é onde a vida acontece.
O valor do caminho
IA dá-nos resultados instantâneos, mas rouba-nos o tempo da maturação. É no intervalo entre a dúvida e a resposta que nasce o pensamento verdadeiro. O percurso tem um papel formador que nenhum atalho pode substituir. Talvez por isso tantos de nós sintam que fazem mais, mas compreendem menos: confundimos rapidez com progresso, e produtividade com propósito. Mesmo quando a IA nos explica a resposta, não nos interessamos — ficamos-nos pela espuma.
Procurar profundidade em vez de velocidade
É por isso que gosto tanto de ler livros (daqueles grandes e às vezes difíceis de acompanhar), deixar o tédio acontecer ou dar espaço ao silêncio enquanto caminho (não ouço música enquanto caminho — sou eu e os meus pensamentos). Porque é no silêncio que o pensamento se recompõe. O ChatGPT é um ótimo eco do que já sabemos, mas só o tempo nos devolve o que ainda não descobrimos. A profundidade exige lentidão — e a lentidão tornou-se uma forma de resistência.
A importância de fazer coisas com as mãos
Nada me dá tanto prazer como construir coisas com as mãos: apertar um parafuso, reparar um banco ou uma cadeira, pintar uma parede ou substituir uma lâmpada. Para outros pode ser cozinhar um prato especial — sem atalhos, preparando todos os ingredientes! Ou até tricotar à moda antiga um par de meias para o inverno. Esses gestos “manuais” ligam a mente ao corpo, o pensamento à matéria. No mundo digital tudo é intangível; o toque devolve-nos a dimensão real da vida. E a verdade é que, por mais fascinante que seja falar com uma máquina, nada substitui o calor de uma conversa em voz alta, o erro, o improviso, a pausa.
Desconfiar dos algoritmos
É fácil deixar que eles decidam o que lemos, ouvimos, vemos ou pensamos. Seja a Netflix ou o Spotify, trabalham incessantemente para “preverem” o que queremos ver ou ouvir. Mas cada recomendação é uma forma subtil de nos tornar previsíveis. A liberdade está em escolher mal — em assistir a um filme que não esperávamos ou em ouvir uma música fora do nosso gosto habitual. Ou então, assistirmos pela milésima vez ao mesmo filme ou escutarmos o mesmo disco de vinil que já está meio arranhado de tanto uso! O acaso e a segurança do que conhecemos são, provavelmente, uma das últimas formas de autenticidade que ainda nos restam.
Dois anos depois, percebo que o ChatGPT ou a IA não me torna menos criativo. Mas, reconheço a dependência. A máquina é um espelho: amplifica o que já temos, mas também reflete o que estamos a perder. Usá-la exige consciência. Exige um certo tipo de disciplina emocional, uma ética do esforço. Porque a inteligência humana não está em fazer mais depressa, mas em saber quando parar, respirar, pensar — e, sobretudo, sentir.
Talvez seja esse o verdadeiro desafio da nossa época: continuar a ser humanos num mundo que nos convida, todos os dias, a deixar de o ser.