Este almoço foi especial porque a minha convidada foi a primeira entrevistada fora do meu rol de relacionamentos. Conhecemo-nos num projeto em que está a trabalhar e, sabendo um pouco do seu percurso, decidi arriscar e convidá-la para esta entrevista, que aceitou com enorme entusiasmo e cujo resultado foram quase duas horas à mesa do restaurante, muito pelo seu mérito de boa conversadora.
A Paula Delgado é uma designer cujo produto do trabalho não se vê nem se toca. Estranho? Nem por isso. Aliás, a sua formação em design é indispensável ao seu trabalhado como Brand Strategy Consultant, pois dá-lhe as ferramentas necessárias na criação de narrativas como meio de resolver um problema.
Estudos e primeiro emprego
As suas origens humildes e a mãe jovem viúva não foram impedimento à sua ambição, antes serviram de motor para ultrapassar as dificuldades. Por isso, durante o ensino secundário, mentalizou-se de que era imperativo esforçar-se mais que todos para conseguir os resultados necessários a fim de entrar numa faculdade pública pois, caso contrário, não teria as condições financeiras imprescindíveis para frequentar o ensino privado.
Além disso, no ensino secundário, teve o privilégio de se cruzar com professores que a inspiraram e deixaram-lhe marcas para a vida, ao ponto de reconhecer como foram importantes na pessoa que tornou e na carreira que seguiu.
Estes professores, através das suas disciplinas, respectivamente, ajudaram-na a estimular em si uma curiosidade acutilante pela história e narrativa, afeição pela escala humana e do sentimento, e a olhar para a realidade para encontrar a sua essência.
A sua determinação era tão forte e estava tão comprometida em terminar o ensino secundário que, mesmo ferida e de braço ao peito, devido a um acidente, não faltou à chamada para realizar a prova de Geometria Descritiva, que lhe dava acesso ao ensino superior.
Todo esse esforço e dedicação foram recompensados com a entrada no curso de Arquitetura do Design, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Esse longo tempo de estudo gratificou-a com o contacto privilegiado com professores da «velha guarda», vultos do mais prestigiante da arquitetura e da cultura, que lhe imprimiram «o rigor pela procura de um conceito que não fosse só uma coisa fácil, que sempre entendi como uma coisa “bonita”». E explicou o que quis dizer, ao afirmar que quando se aprende a dominar uma estética é (aparentemente!) mais fácil enganar a si próprio e ao outro, ludibriando o olho, porque se encanta e distrai com a estética, mas não resolvendo o problema em causa; para si, a resposta ao problema começa sempre no conceito.
Na sua área de estudo aprendeu de tudo, desde o design gráfico ao visual, do design de produto ao industrial e de interiores, o que, parecendo ser vantajoso, pois dá um enorme leque de competências, pode ser também o contrário visto que não permite uma definição do tipo de projeto que se deseja aprofundar ou o tipo de designer que se é.
Quando, finalmente, terminou os estudos, sensivelmente em 2002, o contacto com a Faculdade continuou, durante os meses seguintes, pois começou a trabalhar em regime de estágio, num projeto no qual aquela escola estava envolvida, chamado GERTiL (Gabinete de Apoio à Reconstrução de Timor-Leste). Desse tempo recorda os meses que passou nesse país, que lhe foram marcantes, assim como alguns dos trabalhos que desenvolveu nesse período, e que destacou: o re-design de um projeto de mobiliário escolar em madeira e a criação das marcas Timor-Telecom e Turismo de Timor-Leste.
Mas onde a voz se encheu de emoção foi quando descreveu o processo criativo da marca do Turismo de Timor-Leste.
2004 ― 2016
Em 2004 ruma para a cidade de Londres onde prossegue nos 6 anos seguintes uma carreira internacional. Contou como no primeiro ano foi difícil estabelecer-se lá porque não sabia promover-se como designer multidisciplinar. Essa dificuldade veio pela circunstância de ter um currículo abrangente, mas não focado, ao mesmo tempo, como a própria reconheceu, porque não sabia apresentar-se ao mercado, especialmente, demonstrar como acrescentava valor à organização.
Confessou que foi para ela uma época triste: Levei imenso tempo a fazer o meu portfólio e enviei diligentemente as cartas de apresentação e ficava à espera, literalmente à espera… e nada, não tinha resposta. A taxa de sucesso da minha ida ao mercado era baixíssima, talvez 1 em 50… 1 em 30 na melhor das hipóteses. Mas não desistiu, graças à resiliência e a determinação, características suas que já a haviam ajudado noutras circunstâncias do passado.
Percebendo que não podia (ou não queria) estar parada, aproveitou o tempo para dar continuidade aos seus estudos. Inscreveu-se num curso de desenho na The National Gallery, nas palavras da própria, «a desenhar mulheres gordas, que adoro de morte!» e ainda num curso de ilustração na Central Saint Martin School of Art & Design. Foi nessa escola que se cruzou com o Mestrado em «Narrative Environments» e, pese embora não estivesse a considerar voltar a estudar, percebeu que aquele curso tinha tudo a ver consigo e com o que gostaria de fazer no futuro: utilizar a narrativa para resolver um problema, independentemente da forma da solução.
Durante esse período, teve a oportunidade de trabalhar, ao mesmo tempo, como designer de exposições para a Event Communications e para a Ralph Appelbaum Associates, empresas multidisciplinares especializadas no planeamento e design de museus, exposições, ambientes educacionais e atracções turísticas. Nelas teve a oportunidade de se envolver em projetos ligados ao Royal Albert Memorial Museum, Bristol Museum, Jewish Museum in London, para citar apenas alguns.
No decorrer do seu mestrado desenvolveu um trabalho de grupo para estudar e conceber novos conceitos desafiadores para o comércio em aeroportos. Aí vislumbrou a magia da colaboração multidisciplinar e a importância das metodologias criativas na busca de soluções inovadoras. A experiência desse projeto foi determinante para os trabalhos que veio a desenvolver nos anos seguintes como Brand Strategy Consultant.
Imediatamente após ter terminado os estudos, foi convidada para um novo desafio profissional, que recordou como tendo sido um dos maiores e num dos que mais aprendeu. Juntou-se à General Observation Ltd para criar um novo conceito de hotel para uma grande empresa hoteleira de luxo, sediada nos Emirados Árabes Unidos, que passava por pensar e projetar sobre como deveria ser a experiência do cliente – desde o momento que tomasse contacto com o hotel, pelo seu website, até à chegada, estadia e consequente saída. Tendo o cliente já larga experiência no desenvolvimento e gestão de hotéis de luxo – tipo 7 estrelas – o objetivo agora seria abrir espaço no seu portfólio para o segmento de 5 estrelas e que pudessem ser replicados em vários países do mundo.
Já de regresso a Portugal, perto de 2010, teve uma passagem de ano e meio pela agência Ativism, até se juntar à Brandia como Brand Strategist, onde ficou durante 5 anos, chegando a liderar esse
departamento. Na mais internacional agência de Design portuguesa, a Paula teve a oportunidade de trabalhar marcas em sectores tão variados como o da moda, dos cosméticos e artigos de luxo, da arte, cultura e telecomunicações, lembrando como os clientes valorizavam a disponibilidade da agência em pensar e interagir com eles, pois reconheciam a dedicação e o tempo empregue na entrega dos projetos.
Recordou, com grande emoção, o tempo aí passado. Falou da busca pela grandeza, refletindo-se-se nos projetos em que a agência participou, alguns com tremenda projeção mundial, como os casos das marcas Euro 2012 ou o Mundial 2018, só para citar estas duas.
Depois do nosso almoço, alguns meses mais tarde, estivemos juntos no antigo edifício sede da Brandia, nas Docas de Lisboa, e foi notória a emoção por regressar àquele local.
Em 2014 frequenta e conclui o Curso Geral de Gestão da Nova School of Business & Economics. Fiquei especialmente curioso em perceber por que sentiu necessidade de frequentar um curso de gestão.
A partir de 2016, a Paula abraça dois novos desafios: o de ser mãe pela segunda vez e o de tornar-se consultora freelancer de estratégia e gestão de marca.
Num excelente momento de vida
Trabalhando agora como freelancer, diz que está num excelente momento de vida, não descartando os desafios de trabalhar nesse regime, como saber dizer não e ser líder de si mesma.
Explica que o seu papel como consultora de marca e estratégia é muitas dotar os seus clientes das ferramentas certas que os ajudem a avançarem com decisões difíceis / complexas, sendo que para isso é necessário criar em todas as partes envolvidas na organização o desejo de transformação, cabendo-lhe a ela «o papel de fazer com que ideias disruptivas não sejam recebidas como tontices», mas sejam consideradas como possibilidades. Para isso é necessário agitar as águas e criar nos intervenientes o desejo de refletirem sobre o papel daquela marca no futuro, levando-os a sonhar mais alto, com maior ambição, mas de forma vincadamente objetiva e realizável.
Explica que a narrativa é uma «atividade humana essencial» para compartilhar experiências, explicar valores e decidir sobre problemas. A narrativa gera perguntas e perguntas expandem a amplitude da narrativa, levando a pensamentos e ideias inovadoras.
É por isso que diz, que a sua formação em design a ajuda no seu papel de agregadora de linguagem, isto é, ser capaz de traduzir a linguagem dos vários intervenientes da organização, sejam eles o CEO, o CFO, o retalhista, o developer, o vendedor, numa mensagem que entendem, absorvem e em que acreditam.
Felizmente, tenho o privilégio de assistir a isso mesmo. A forma gentil com que a Paula é capaz de se relacionar com pessoas com funções tão diferentes e pontos de vista, em alguns casos, distintos, criando uma base comum de entendimento, promovendo o diálogo entre as partes – descodificando os anseios e as mensagens – e fazendo com que uma organização abrace o desejo de pertencer a um mesmo projeto, levando com orgulho a respectiva bandeira.
Paula Delgado
Brand Strategy Consultant
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