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Rita e Ivan ― os designers destinados a estarem juntos

    Rita e Ivan

    Foi a crónica mais difícil de escrever. Os laços de amizade que nos ligam tornaram a tarefa muito mais complicada do que antecipei.

    Quando comecei este projeto, um dos objetivos era ir de encontro àqueles colegas de quem tinha, de certo modo, perdido o rasto; mesmo seguindo muitos deles nas redes sociais, sabia que a informação nelas acessível não me dava todos os detalhes e contexto da sua carreira profissional.

    Mas, com os convidados desta crónica, isso não aconteceu, pois temos mantido contacto regular, nos últimos 10 anos, dentro e fora do trabalho, o que faz com que nos conheçamos relativamente bem. Podia parecer, à partida, uma vantagem, mas para mim tornou-se bastante difícil pois que perguntas poderia colocar-lhes, às quais não conhecesse ou antecipasse a resposta? Por outro lado, senti algum desconforto em colocar certas questões que os pudesse melindrar, não querendo expor aquilo que foram conversas ou opiniões dadas em particular.

    Conheci os meus convidados nos anos em que trabalhei na Rádio Renascença. Primeiro a Rita, em 2008, a quem fui substituir, durante a sua licença de maternidade; depois o Ivan, por intermédio dela. O trabalho juntou-nos, mas é a amizade que nos tem mantido em contacto.

    A Rita e o Ivan são ambos licenciados em Design Industrial pelo IADE – Criative University – e trabalham atualmente juntos na Rádio Renascença como webdesigners.

    Foi destino?

    A história da Rita e do Ivan bem pode ter servido de inspiração à conhecida canção popular do Miguel Araújo que diz: «Quando Deus pôs o mundo / E o céu a girar / Bem lá no fundo / Sabia que por aquele andar / Eu te havia de encontrar.» Sim, eu sei que ambos vão achar um tanto ou quanto piroso a inclusão do verso da «Balada Astral» ― e provavelmente muitos leitores também o acharão ― mas fiquem comigo até ao fim que a história vale a pena.

    Corria o ano de 1995 quando se viram, pela primeira vez, no âmbito de uma ação de intercâmbio que as escolas de ambos promoveram no 12º ano. A Rita, originária de Lisboa e habituada ao estilo chique da cidade, ficou mal impressionada com o alentejano Ivan e o seu macacão de ganga. Mal imaginaria que daí a um ano se tornariam colegas de turma no primeiro ano do IADE, no curso de design. E, desde então, não mais se largaram. De desconhecidos, tornaram-se colegas… e rapidamente, namorados.

    Estudaram sempre juntos durante todo o curso superior, partilhando apontamentos, aulas, frequências e trabalhos ― de grupo e individuais; cada um foi o suporte do outro. No momento de decidir qual a especialização a seguir, escolheram ambos Design Industrial, por acharem o curso mais completo e mais desafiante.

    Quando terminaram a licenciatura, mantiveram o amor, mas os seus caminhos profissionais separaram-se…

    Rita

    Após a conclusão dos estudos, no ano 2000, ambos recebem um convite para uma entrevista de trabalho na Rádio Renascença, que tinha, na altura, um departamento de design, onde eram concebidas as campanhas publicitárias, peças de comunicação visual e também stands para feiras ou programas de rádio ao vivo. Preparou cada um, minuciosamente, o seu portfólio para apresentar na entrevista, mas, quando estavam a chegar aos estúdios da Renascença, uma reviravolta precipitou um final diferente:

    A Rita recordou, com graça, o primeiro trabalho que teve de executar e como tudo lhe pareceu tão difícil… 30 dias para desenhar o stand de um evento onde a Mega FM iria estar presente. Contou, com sorriso largo nos lábios, que foi o Ivan que a acalmou e lhe deu a confiança que necessitava para, no dia seguinte, arregaçar as mangas e levar adiante a missão que lhe confiaram.

    Durante vários anos desenhou, planeou e executou projetos de design gráfico e industrial. Recorda a evolução tecnológica que foi acompanhando na Rádio Renascença em geral, mas em particular no departamento gráfico: começou com um Macintosh velho e programa de desenho 3D nem vê-lo, embora tivesse a formação e o conhecimento necessários para utilizá-lo. Conta que foi por sua iniciativa que o 3D StudioMax foi adquirido e como lhe deu bom uso em muitos projetos.

    Tal como a tecnologia foi evoluindo, a sua carreira também. Depois de alguns anos como designer passou a desempenhar uma nova função como gestora de marca – que acumulava, quando necessário, como designer.

    Assim, trabalhou as diversas marcas do Grupo, tais como RFM, Mega FM e Rádio Renascença. Há um brilho nos olhos da Rita quando fala desses tempos, pois recorda-os como tendo sido dos mais intensos em trabalho, mas também nos quais se entregou com mais prazer aos projetos e tarefas que tinha em mãos. Mesmo queixando-se, em tom jocoso, que era, muitas vezes, uma mula de carga dos brindes e ofertas a distribuir em eventos de praia e festivais, esse contacto direto com o público da rádio era muito feliz e recompensador.

    Mas dois eventos na sua vida ditaram nova mudança: a Rádio avançou com uma mudança na sua organização interna e ela soube que ia ser mãe. Ambos os acontecimentos desencadearam-se num breve intervalo de meses. Essa mudança organizacional levou a Rita a assumir de novo a função de designer, desta vez integrada no departamento de internet, onde passaria a desenvolver trabalhos de webdesign, função essa que desempenha até hoje.

    Neste momento, entramos num ponto difícil da conversa ao perguntar-lhe por que sempre fugiu à programação. Inteligente como é, respondeu que isso lhe limita a criatividade e, por isso, quem sai a perder é o projeto.

    Com o avançado estado da sua gravidez, entrei eu na Rádio Renascença para a substituir, durante alguns meses. Acho que nunca lhe contei o quão estranho foi para mim sentar-me na sua cadeira e mexer no computador que usava. A forma como tinha a secretária organizada, a posição do monitor, do teclado e dalguns objetos pessoais levavam-me a imaginar como seria a pessoa que habitualmente se sentava naquele lugar. Só nos viemos a conhecer de perto muitos meses mais tarde, com o seu regresso.

    Durante vários anos, trabalhamos lado a lado e ajudamo-nos, mutuamente; além disso, construímos uma amizade verdadeira que se estendia para lá do local e do horário de expediente, especialmente à hora de almoço ou nos regressos a casa pois partilhávamos os ferries da TransTejo.

    Ivan

    A decisão precipitada do Ivan, ao não participar na entrevista na Rádio Renascença, não foi apenas um gesto romântico. Na verdade, o Ivan já estava a trabalhar numa agência de publicidade e, para ele, esse trabalho era mais aliciante. Aí teve o seu primeiro contacto com o mundo frenético das agências de publicidade, do enorme volume de trabalho e das longas noites sem dormir.

    Depois de algum tempo, aceitou um novo desafio, numa área bastante diferente. Foi trabalhar para a Revista Sábado, primeiro como infográfico, depois como editor. Podia parecer, à partida, que o ritmo de trabalho abrandaria e talvez pudesse ter um horário de trabalho mais regular. Mas, no jornalismo e na informação, o mundo real não pára, sendo que aí também se tinham de praticar grandes noitadas para se cumprirem os prazos e os projetos que se tinha em mãos.

    Perguntei-lhes como foi sobrevivendo a relação deles, durante esses períodos. Contaram que aproveitavam todos os momentos livres para se encontrarem e partilharem tempo juntos. E, com a chegada dos filhos, essa continuou a ser a prática, embora reconheçam a dificuldade de conciliar a carreira e a vida familiar.

    O Ivan ficou pela Sábado durante um período longo da sua carreira, acumulando trabalhos de freelancer em áreas de design, ilustração e infografia. O seu trabalho na Sábado foi granjeando prémios aquém e além-fronteiras.

    Em 2014, dá-se uma mudança de vida. Sai da Sábado e decide trabalhar como freelancer, procurando, desse modo, compatibilizar melhor a sua vida profissional e familiar. Mas um criativo como o Ivan não fica sem nada para fazer durante muito tempo e, rapidamente, começou a ser aliciado para trabalhar em várias agências de design e publicidade.

    Optou por trabalhar apenas alguns dias por semana para ter tempo para outros projetos e, uma vez mais, dar prioridade à família, até, há dois anos, ter ingressado na Rádio Renascença a tempo inteiro como webdesigner.

    A criatividade às vezes pode ser prejudicial

    O Ivan é um artista completo, daqueles que só encontramos no Renascimento: é tão bom designer gráfico, como é webdesigner, ilustrador e infográfico, como é a pintar figuras de StarWars, a arranjar brinquedos para os filhos… O seu talento é imenso e nem por isso gosta de se vangloriar ou assumir uma posição de protagonismo. É muito provável que uma boa dose do seu talento venha, por herança, do seu avô, ele próprio um mestre das Artes Gráficas e da Tipografia, e que o Ivan tem conservado, mas também transmitido aos seus filhos. A Rita não esconde o quanto fica surpreendida com o talento dos filhos quando mostra algum desenho feito por eles.

    Mas esta introdução pode parecer contraditória ao título. Como pode a criatividade prejudicar? Nunca havia feito essa reflexão em voz alta e foi interessante como ambos chegamos à mesma conclusão.

    A criatividade faz-nos sentir especiais. Há, efetivamente, uma sensação de poder quando criamos algo, especialmente no momento de materializar a ideia. Talvez seja o controlo que exercemos ou o fascínio de ver algo nascer a partir do nada ou o sentimento de bem-estar ou de realização quando concluímos o trabalho.

    Por outro lado, a exploração dos criativos, que ocorre em alguns meios, faz-nos pensar se vale a pena tanto esforço por pouco dinheiro. Há quem argumente que «é a economia, estúpido!» e, por isso, toma-se como garantido que para aquele lugar há mais cinco à espera. É uma verdade e, por isso, cabe a cada um marcar os seus limites; se estas crónicas servirem para alguma coisa, que seja para mostrar que não há uma forma estanque de trabalhar, com realização profissional e pessoal, nesta indústria.

    O reencontro no trabalho

    Com a minha saída da Rádio Renascença, o Ivan é escolhido para me substituir, passando a integrar a mesma equipa onde trabalha a Rita e a partilharem o mesmo espaço de trabalho, tarefas e colegas. Se para muitos casais esta situação poderia causar embaraço (ou mesmo tensão), para eles não. E foi aqui que quis explorar melhor esse tema. Como conseguem trabalhar juntos? Como lidam com a divergência? Como separam as questões de casal com as do trabalho?

    A Rita e o Ivan são uma fonte de inspiração pela forma como se têm mantido juntos, como casal e profissionais. Embora, no caso deles, não poderia ser de outro modo, pois de facto os astros conspiraram, desde muito cedo, que eles estavam destinados a estar juntos.

    Rita Carreira Kemp

    Webdesigner na Rádio Renascença

    Ivan Kemp

    Webdesigner na Rádio Renascença

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