A informação. A contra-informação. A desinformação. A falsa informação.

Estes são tempos difíceis, em que verdade e ficção se confundem, quando deveriam estar separadas como água e azeite, fomentando na população a desconfiança, a descrença, o cinismo, a apatia e com isso contribuindo para uma lamentável alienação intelectual coletiva.

Escrito com ❤️ a

21 de Abril, 2022

Como é possível confiar no que lemos por esta Internet fora se para qualquer assunto encontramos uma teoria e o seu contrário?

Eis o desafio que lhe lanço: pense num assunto que pareça minimamente consensual e até lógico que eu encontrarei alguém que dirá precisamente o contrário.

Veja o exemplo dos Terraplanistas que defendem que o planeta Terra é plano, como um disco com o Árctico no centro e a Antárctida no bordo e um muro de gelo que nos impede de cair borda fora. Pelo menos alguns, outros arriscam formatos alternativos, como argola, cubo ou diamante. Como vê, nem entre este grupo existe consenso.

E o exemplo que dei é sobre algo evidente. Agora, imagine quando o assunto é teórico, filosófico, político, especulativo ou pessoal.

Nunca a pergunta do governador romano Pôncio Pilatos ecoou com tanto estrondo como nos dias de hoje: «O que é a Verdade?» Dois mil anos depois e toda a Internet soa como Pilatos. Vivemos na era das notícias falsas, dos factos alternativos e das teorias da conspiração.

Em 2015, no decorrer do evento no qual Umberto Eco recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura, na Universidade de Turim, em Itália, o escritor italiano criticou com veemência o papel das redes sociais na disseminação de informação, dizendo que estas dão o direito à palavra a uma «legião de imbecis» que antes «falavam apenas nos bares, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade, […] mas que agora têm o mesmo direito à palavra que um Prémio Nobel». E concluí que o «drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a detentor da verdade».

Nos dias de hoje em que somos bombardeados de informação sobre tudo e o seu contrário, o poder de discernimento, isto é, a aptidão para avaliar algo com sensatez e clareza, tem vindo a desaparecer a uma velocidade estonteante. Temos excesso de informação e carência de conhecimento. Porque conhecimento não é saber pesquisar no Google por um assunto, é a sistematização da informação, da qual se encadeiam ideias e juízos, para chegar a uma conclusão. Essas etapas compõem o nosso raciocínio. E o mal é que não damos tempo para formar o nosso raciocínio, saltando logo para a conclusão.

Compreenda que não desejo parecer um Velho do Restelo contra a disponibilização da informação pela Internet. Sou fruto do uso prematuro da Internet quando ela começou a massificar-se a meio dos anos 90 e por isso reconheço como ela foi importante para o avanço da inovação nas últimas décadas, uma maior democratização do conhecimento e uma visível contribuição no terreno da educação. Porém, um quarto de século depois, reconheço também como a mesma Internet se tornou um veículo de informação claramente falsa, enganadora, manipuladora e ao serviço de causas pouco claras. O resultado é dramático pois vemos multidões de ignorantes iludidos e presos numa teia que julgam ser a sua liberdade.

Tal como tantas outras coisas, a Internet é uma tecnologia que não é boa nem má em si. Só o uso que se faz dela é que pode ditar o julgamento. A Internet torna-se perigosa para o ignorante porque não filtra nada. É poderosíssima para quem é capaz de criar conhecimento.

Estes são tempos difíceis, em que verdade e ficção se confundem, quando deveriam estar separadas como água e azeite, fomentando na população a desconfiança, a descrença, o cinismo, a apatia e com isso contribuindo para uma lamentável alienação intelectual coletiva.

A informação. A contra-informação. A desinformação. A falsa informação. Tudo circula à velocidade da luz, lado a lado, em pé de igualdade, e faz acreditar que «A Terra gira ao contrário / E os rios nascem no mar».

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