Com a primavera não regressam somente as andorinhas e o bom tempo, chega também o período de preencher a sua declaração de impostos. Não desejo desenvolver este tema do ponto de vista ideológico — mais ou menos impostos ou se estes são altos ou baixos —, mas sim, fazer uma breve reflexão sobre o processo.
Eu ainda me lembro de ver o meu pai a preencher a sua declaração de impostos, nuns formulários de várias cores e rodeado de faturas com as despesas do ano. Como me recordo das reportagens televisivas das longas filas que os contribuintes faziam junto das repartições de finanças nos últimos dias do final do prazo para entregarem as suas declarações. (Isso não mudou assim tanto — os contribuintes agora aglomeram-se todos à mesma hora a carregar no enviar enquanto esperam com fé que o servidor não crache!)
Não sei ao certo o ano em que passou a ser permitido a submissão da declaração de IRS pela Internet, mas creio que foi no princípio dos anos 2000. Por incrível que pareça, encontrei a minha primeira declaração de IRS que preenchi em papel em 2003!
Olhando para o formulário daquele ano percebo que a experiência de preencher a declaração de rendimentos não mudou assim tanto. Quer dizer, temos mais tecnologia, mas tudo continua a parecer tão analógico. Explico: o processo de preenchimento do IRS deixou de ser feito em papel e caneta e passou a ser feito num computador com auxílio do teclado e rato. Mas todo o ambiente analógico continua muito presente, pois basta ver que a prova da entrega é um PDF que mostra o formulário em formato papel preenchido com a informação que antes colocamos no computador.
A dita transição ou transformação digital levada a cabo pelas Finanças é o espelho do que muitas empresas continuam a fazer: pegam em processos manuais ou analógicos e transpõem-nos diretamente para o ambiente digital, sem para isso, fazerem uma reflexão do sentido que isso faz! A transformação digital não é fazer no computador o que antes se fazia no papel para se obter o mesmo resultado! Transformação digital — dito assim de forma simples — é utilizar a tecnologia para se obter um resultado de valor acrescentado.
É certo que estou a ser um pouco injusto com o processo de digitalização do preenchimento do IRS. Têm existido saltos qualitativos e que facilitam o trabalho dos contribuintes como o preenchimento automático dos rendimentos de trabalhadores dependentes ou das despesas com benefícios fiscais que aparecem no portal do e-fatura. Isso é um ganho. Algumas pessoas não precisam de fazer mais nada do que confirmar a informação.
Ainda assim, há tanta coisa por fazer: ainda é exigido o preenchimento de informação que a Autoridade Tributária já tem registada. Por exemplo, para o profissional liberal como eu é necessário preencher os campos 13 B de Informações Complementares indicando os rendimentos declarados nos 2 anos anteriores! Como se a AT já não soubesse quais são! É nestes momentos que me surgem calafrios no preenchimento desses campos com medo de errar ou trocar um qualquer número e dessa forma receber uma coima em casa!
E o pior é que isso já me aconteceu. Num ano troquei um 52 por um 25. E quando cruzaram os dados entre os rendimentos declarados no IRS e os do IVA detetaram a diferença. Resultado, obrigação de preencher uma declaração de substituição. Caramba, se eles já tinham os números, porque não os preencheram automaticamente ou no momento de submeter a informação, porque não me informaram logo da diferença?
Transformação digital é servir melhor as pessoas — neste caso os contribuintes — substituindo processos analógicos complexos e obscuros por novos transparentes e simplificados. Isso aplica-se ao Estado, mas também às empresas e organizações privadas.