Muito se tem escrito nas últimas semanas sobre a nova ferramenta de inteligência artificial (IA), ChatGPT. Aliás, se se recorda, no primeiro e-mail que lhe enviei no início deste ano abordei como esta ferramenta foi para mim a inovação tecnológica mais importante do ano transato.
As reações têm sido muitas. Por exemplo, no domingo passado (17 de janeiro), o conhecido comentador Paulo Portas falou sobre esta ferramenta no seu espaço de televisão em prime time. E ontem, até o comediante e animador de rádio Nuno Markl relatou algumas experiências da sua utilização, onde tentou que o ChatGPT escrevesse algumas piadas ao estilo da sua rubrica «O homem que mordeu o cão”. Ele concluiu que a ferramenta não lhe roubará o trabalho pela forma pobre como escreveu as piadas. O que ele se esqueceu foi de acrescentar “ainda”, “ainda” não lhe roubará o trabalho!
Mas afinal, o que é ChatGPT? O ChatGPT é um programa informático que interage com o utilizador, como se de uma conversa se tratasse: responde a perguntas, escreve textos elaborados a partir de conceitos abstratos e criativos, poesia, ensaios e até código de programação.
O tamanho da base de conhecimento do ChatGPT é composto por milhões de textos de diferentes fontes, incluindo artigos da internet, livros, documentos governamentais, repositórios de programação e muito mais. Isso permite que o software responda a perguntas e gere texto de maneira muito precisa, como por exemplo, dar uma receita de bacalhau à Brás, escrever um poema para o Dia da Mãe ou um comentário ao primeiro parágrafo da Constituição portuguesa.
RECEITA DE BACALHAU À BRÁS Ingredientes: • 500g de bacalhau dessalgado e desfiado • 2 cebolas picadas 4 dentes de alho picados • 2 batatas cozidas e raladas • 2 ovos cozidos e picados • 2 colheres (sopa) de azeite • Sal e pimenta-do-reino a gosto Salsa e cebolinha picadas para decorar Modo de preparo: 1. Em uma panela, aqueça o azeite e refogue a cebola e o alho. 2. Adicione o bacalhau desfiado e misture bem. 3. Adicione as batatas raladas e misture novamente. 4. Tempere com sal e pimenta-do-reino a gosto. 5. Adicione os ovos picados e misture delicadamente. 6. Sirva quente, decorado com salsa e cebolinha picadas. Dica: pode-se também adicionar coentros e pimentão verde picado para dar mais sabor. POEMA SOBRE O DIA DA MÃE Dia especial, dia de amor, É o dia da mãe, que tanto honrar. Com carinho, ela nos cria, E sempre está presente, nos acompanha e nos guia. Seus braços são aconchegantes, Seu amor é incondicional, inesgotável, constante. Ela é a nossa luz, a nossa rocha, É a nossa mãe, que tanto amamos e toca. Seu sorriso é a nossa alegria, Seus conselhos são a nossa sabedoria. Ela é a nossa guerreira, É a nossa mãe, que tanto valorizamos e quer. Então, neste dia tão especial, Queremos agradecer, e dizer o quanto é fundamental. A nossa mãe, que tanto amamos, É a nossa vida, é a nossa razão. Ela é a nossa mãe, Que sempre estará presente, Eternamente amada e adorada Eternamente agradecida e celebrada. COMENTÁRIO AO PRIMEIRO PARÁGRAFO DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA O primeiro parágrafo da Constituição Portuguesa estabelece que Portugal é uma República democrática e unitária, baseada no respeito dos direitos humanos, na livre expressão dos cidadãos, na participação dos cidadãos na vida democrática, na separação dos poderes e no Estado de direito. Ele afirma o caráter democrático e pluralista do país, bem como o compromisso com os direitos humanos e a participação cidadã. Também menciona a unidade do país e a existência de poderes separados, garantindo a independência do poder judiciário.
A receita é simples; o que não falta por esta Internet fora são receitas de bacalhau à Brás (mas não há como não reparar no pormenor da sugestão de acrescentar coentros ou pimentão verde picado!); o poema não é brilhante, mas ainda assim, foi inventado por uma máquina em 10 segundos! E o comentário ao primeiro parágrafo da Constituição portuguesa poderia perfeitamente servir na resposta a um teste da escola ou a um jornalista para iniciar um artigo!
É uma ferramenta impressionante e que levanta muitas questões, como: quão longe poderá ir a inteligência artificial, quais os limites e quantos empregos estarão em perigo? Para dar o exemplo de alguns dos receios mais comuns.
Não tenho resposta a nenhuma das perguntas, mas a OpenAI (a empresa que está por detrás do ChatGPT) publicou uma imagem em tom de provocação, mas com a qual concordo.
É a clássica visão darwiniana, que seleciona os mais aptos, dando-lhes vantagem em relação aos menos, para assim aumentarem a probabilidade de sobrevivência. No concreto, entre um candidato a um emprego que sabe usar a IA para produzir 1000 e outro que não usa e produz 100, as empresas optarão pelo primeiro. Portanto, não é a tecnologia propriamente que substitui as pessoas num determinado ofício, mas o quanto um grupo de pessoas sabe usar essa tecnologia em seu benefício e de outros.
É claro que não descarto os perigos da IA e da automação desenfreada de tarefas. No extremo, nenhum humano consegue competir com uma máquina em conhecimento, poder de raciocínio e, espante-se!, criatividade. Como a energia atómica, que em si é neutra (nem boa, nem má) pode ser usada para criar eletricidade ou destruir uma cidade, cabe-nos a nós fazer bom uso do potencial da Inteligência Artificial.
QUATRO ÁREAS ONDE O CHATGPT PODERÁ REVOLUCIONAR
Direito e Justiça
Já por diversas vezes foi tema de conversa com o meu pai, um sábio advogado na reforma, o quanto o sistema de justiça beneficiaria de uma maior adoção de meios tecnológicos inovadores para uma justiça mais rápida, com menos erros e mais acessível à população. Imagine um advogado introduzir os factos da causa no ChatGPT e pedir-lhe que lhe dê três opções de defesa, analisando todas as inúmeras possibilidades que existem na lei (em toda a lei!). A partir desse resultado, o advogado poderia começar a contruir a sua defesa, encolhendo uma das três possibilidades, poupando centenas de horas de investigação na vasta jurisprudência e legislação disponível. Ou em casos complexos, o quanto beneficiaria uma investigação usando a IA na busca de padrões fraudulentos ou irregulares. O potencial é imenso. É certo que algumas empresas na área da banca ou dos seguros já começam a explorar estes novos instrumentos, mas ainda há muitas atividades que estão atrasadas.
Trabalho administrativo
Anualmente são gastas milhões de horas de trabalho na elaboração de relatórios e apresentações corporativas. Basta lembrar as empresas cotadas em bolsa que têm de publicar anualmente os seus Relatórios e Contas do ano anterior. Uma tecnologia como o ChatGPD pode reduzir brutalmente o custo desse trabalho, pois a partir de uma tabela com dados, conseguirá escrever todo um relatório e contas, apresentando os resultados financeiros e não só, fazer previsões sobre o comportamento da empresa face aos cenários macroeconómicos, etc. Não é por acaso que a Microsoft irá investir 10 mil milhões de dólares para a incorporar no Office o ChatGPD, pois servirá para acelerar e facilitar o trabalho em programas como o Word, Excel, PowerPoint, Outlook e Bing.
No poder legislativo e regulador
É sabido que Portugal se produzem leis que nunca mais acabam e que poucos conhecem ou nem têm tempo de as conhecer. O que era lei, deixou de ser; o que já não era lei, passou a estar em vigor novamente! Uma vez mais, uma ferramenta de IA poderá ser útil nesta quantidade de spam legislativo que é produzido anualmente, entre leis que se contrariam, sobrepõem ou nada acrescentam! Para qualquer assunto, a tecnologia poderia analisar a proposta à luz de todo o quadro legislativo e regulamentar vigente, evitando mais burocracia e mais nós na teia legislativa, criando inclusive análises do custo/benefício da aplicação dessa lei. Além de se pouparem milhares de horas de trabalho inútil em criar mais leis e regulamentos que ninguém conhece ou aplica.
Na organização e atualização de informação
Uma das grandes dificuldades de algumas organizações é na gestão da informação, seja porque a mesma se encontra dispersa ou porque não há capacidade de atualização, manutenção ou catalogação. Uma ferramenta de IA será capaz de aceder a dados dispersos e desorganizados e ainda assim devolver uma informação correta quando perguntada. Um exemplo em pequena escala é a aplicação MyMind que funciona como um repositório de links, imagens, texto, entre outros formatos, mas que não requer catalogação, pois o sistema reconhece o que está lá e entrega ao utilizador quando este pede. Por exemplo, o utilizador pode pedir fotos de carros verdes e o sistema devolve todas as fotos arquivadas com carros de cor verde. Agora imagine isto numa escala superior, com milhões de dados por catalogar e relacionar e ainda assim o sistema ser capaz de nos devolver a informação que procuramos.
De forma simples, quis demonstrar o potencial da Inteligência Artificial, sem cair nos discursos apocalípticos à Exterminador Implacável. Já muito se avançou e muito mais há ainda para criar e desenvolver. Os próximos tempos serão desafiantes e entusiasmantes, e eu estou muito animado com o que o futuro reserva!