Sobre o livro «Criatividade, Como vencer as forças que bloqueiam a inspiração»

O autor convida o leitor a entrar pelas portas da Pixar, não para ficarmos deslumbrados pelos seus inúmeros sucessos, mas sim, para que possa aprender que, no processo criativo, ninguém está imune a erros, equívocos, falhanços, medos ou bloqueios de inspiração e direção.

Escrito com ❤️ a

21 de Abril, 2022

Gostaria de partilhar consigo o melhor livro de gestão, inovação e criatividade que li até hoje: Criatividade, Como vencer as forças que bloqueiam a inspiração de Ed Catmull. Para quem não sabe, Ed Catmull é cofundador da famosa Pixar.

O autor convida o leitor a entrar pelas portas da Pixar, não para ficarmos deslumbrados pelos seus inúmeros sucessos, mas sim, para que possa aprender que, no processo criativo, ninguém está imune a erros, equívocos, falhanços, medos ou bloqueios de inspiração e direção. Se espera que este seja um típico livro de engrandecimento de auto-elogio pelos grandes sucessos alcançados, engana-se.

Podemos também aprender como se pode e deve discutir de forma aberta as ideias num ambiente seguro, onde todos se podem expressar sem se sentirem constrangidos pela hierarquia, currículo passado ou melindre pessoal; que é mais barato corrigir um erro do que a excessiva prevenção e inação; que o processo criativo, assente numa admirável capacidade de liderança e de diálogo, com passos concretos e repetíveis, alicerçados uma abordagem inovadora, pode maximizar as qualidades intrínsecas de cada um dos intervenientes, num trabalho de uma equipa multidisciplinar e criativo; entre outras preciosas lições.

1. Ideias e Equipas

Dê uma boa ideia a uma equipa medíocre e esta fará asneira. Dê uma ideia medíocre a uma excelente equipa, e ela, ou a corrigirá, ou inventará algo melhor. Se tiver a equipa certa, o mais provável é concretizar bem as ideias.

Confesso que quando li esta frase a repeti um par de vezes em voz alta. Se for um apreciador de programas como o Shark Tank ou Dragons’ Den deve seguramente recordar-se de ter escutado múltiplas vezes a frase dita pelos investidores: «a ideia é boa, a execução é horrível». 

No mundo da criatividade e inovação, não basta ter ideias: boas ou más… há que ser capaz de transformar essas ideias em excelentes produtos, e para tal é necessário que essas ideias estejam nas mãos certas. O que não faltam são exemplos de marcas, produtos ou serviços que não são novos, mas são muito bem executados.

Vamos analisar frase a frase.

Dê uma boa ideia a uma equipa medíocre e esta fará asneira.

É verdade que o autor usa a expressão «boa» para se opor a medíocre. Mas a frase funcionaria bem se ele dissesse: «Dê qualquer ideia…». A ênfase aqui está na qualidade da equipa. E qualidade resume-se a todos os aspectos, deste a execução técnica, à relação com o cliente ou superiores ou à maturidade de previsão dos resultados ainda antes da execução. Um bom exemplo e alinhado com os tempos que vivemos em Portugal: as campanhas dos diversos partidos para as legislativas. Quantos cartazes e frases vemos espalhadas nos outdoors em que nos questionamos sobre o critério de aprovação. Entre quem dá a ideia ou quem a executa, tem de existir um elevado sentido crítico para que ambas as partes possam dizer: isso é uma má ideia / isso é uma má execução da ideia.

Para não me alongar não vou comentar sobre a relação de quem tem a ideia e de quem é contratado para executar. Isso fica para outro dia.

Dê uma ideia medíocre a uma excelente equipa, e ela, ou a corrigirá, ou inventará algo melhor.

Uma vez mais vamos focar-nos na segunda parte da frase. De facto, quando contratamos as pessoas certas para a execução de uma ideia elas são capazes de acrescentar muito mais valor ao pedido inicial, e quando essas pessoas são excelentes, surpreendem-nos com um resultado que estava longe do imaginado, seja pela forma inovadora de como interpretaram a ideia ou, pelo contrário, como desconstruíram a ideia. Quantas vezes, em projetos passados, na minha relação com developers eu vi como uma ideia minha para uma funcionalidade foi aperfeiçoada, desconstruída para algo ainda mais interessante, outras vezes simplificada, ou, nos piores casos, executada de forma acrítica, cujo resultado era fiel ao pedido feito, mas não era o espectável. 

Se tiver a equipa certa, o mais provável é concretizar bem as ideias.

Trabalhar com pessoas talentosas – não importa a área – é saber de antemão que serão capazes de emendar o pedido ou fazer algo completamente diferente, mas que ainda assim, cumpre o propósito da ideia inicial. Cabe a quem tem a ideia estar disposto a aceitar esses volte-faces. Cabe aos gestores / líderes darem espaço para essas pessoas talentosas florescerem. 

2.  Aposta nas pessoas, não como elemento individual, mas como parte de uma engrenagem

No capítulo 4 Ed Catmull explica como foi estabelecida a identidade da Pixar. E um dos pilares foi a aposta nas pessoas, não como elemento individual, mas como parte de uma engrenagem, para que possam encontrar, desenvolver e ter boas ideias.
 

As ideias vêm das pessoas, logo, as pessoas são mais importantes que as ideias. (…) Muitos de nós veem as ideias como algo singular, como se flutuassem no éter, completamente formadas e independentes das pessoas que lutam por elas. Mas as ideias não são coisas singulares. São forjadas através de milhares de decisões, muitas vezes tomadas por dezenas de pessoas.

Já escrevi noutras ocasiões que muitas pessoas olham para o processo criativo com assombro. Perguntam-se com espanto sobre a origem da ideia ou julgam que o resultado final de um produto é fruto de uma cabeça só – brilhante!

Mas, salvo raras excepções, o trabalho criativo é fruto da conjugação de muitos fatores, que num olhar desatento parecem-se com um conjunto aleatório de pontos únicos e autónomos. Deixe-me explicar melhor. Sabe aqueles quebra-cabeças infantis, onde surge um conjunto de pontos separados entre si, os quais têm de ser ligados pela criança, para no final formar uma imagem clara e legível? 

O resultado de uma ideia é a união desses pontos que formam a imagem. Porém, a ideia (tal como o quebra-cabeças) começa muitas vezes deste modo disforme e até dispersa. Quer dizer, se olharmos com atenção para os pontos, até somos capazes de adivinhar qual será o resultado final. No entanto, para se chegar à imagem final é necessário unir todos os pontos.

E os pontos no processo criativo podem ser muitas coisas: pessoas, experiências passadas, novo conhecimento, novas técnicas, etc. O que é preciso é percorrer o caminho, unindo um a um para que o resultado final salte à vista.

É por isso que o verdadeiro talento não está em quem lança a ideia, ou mantendo a mesma metáfora, atira os pontos para o ar. O talento está em quem une os pontos. Daí o valor de trabalhar com pessoas que se completam, preenchem as lacunas – sejam elas quais forem -, e deste modo, acrescentam valor ao resultado final. Na minha experiência, ter as pessoas certas e alinhadas num propósito comum é mais importante do que ter a ideia certa.

O que farão as pessoas certas é ajustarem a distância e a posição dos pontos à medida que o lápis vai passando por eles para formar a imagem certa. Encontrar estas pessoas é uma missão de vida. Mantê-las, protegê-las e nutrir o seu crescimento é um investimento seguro e de retorno garantido.

Quer levar estas reflexões consigo?

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