Fazer o contrário àquilo que acreditamos

Fazer o contrário só resultou para o George Costanza!

Escrito com ❤️ a

16 de Janeiro, 2018

Em 2016 decidi criar um protocolo para conhecer e aceitar novos clientes. No passado era capaz de aceitar um projeto ao fim de um telefonema, mesmo não conhecendo todos os detalhes nem a personalidade do cliente, o que trouxe, em muitos casos dissabores na forma como esses trabalhos terminaram.

Depois de alguma reflexão, entendi que deveria ser mais cuidadoso e criar um procedimento que permitisse de antemão conhecer o projeto e os seus objetivos, assim como o cliente e as suas expectativas em relação a mim. Para isso, qualquer novo cliente que me contacte recebe um documento que me apresenta, explica o tipo de trabalho que estou disponível para realizar, os trabalhos que fiz no passado, e, muito importante, o tipo de projeto e cliente com que estou disponível para colaborar. Se esse cliente achar que sou a pessoa indicada e desejar trabalhar comigo, então é convidado a preencher um questionário onde procuro extrair o máximo de informação sobre o trabalho que deseja contratar.

Este procedimento tem produzido dois resultados. O primeiro é que muitos dos interessados desistem depois de receberem o documento. Provavelmente, pela informação que disponibilizo concluem que não serei a pessoa certa para o trabalho. Os clientes que preenchem o questionário em várias circunstâncias são rejeitados por mim, pois não tenho interesse no que me pedem para fazer, seja pelo tema, pelo orçamento disponível ou pelo tipo de serviço que desejam de mim.

Assim, com esta postura o número de trabalhos que aceito é substancialmente menor, o que não significa que me esteja a queixar, pois os que realizo trazem-me maior satisfação.

Mas há dias em que me sinto George Costanza, o personagem da popular série cómica dos anos 90, em que desejo fazer precisamente o contrário daquilo que estabeleci, na esperança de alcançar algo de bom.

Ora, esta introdução vai longa e ainda não entrei no verdadeiro assunto deste texto. Mas fique comigo até ao fim, não desista já.

Na semana passada recebi um contacto de um novo cliente. Depois de ele ler o documento sobre a minha forma de trabalhar, decidiu enviar-me uma mensagem a pedir um encontro comigo, pois tinha grande interesse em apresentar-me o seu projeto pessoalmente. Ora, se eu tivesse seguido as regras que eu próprio estabeleci, teria insistido que primeiro preenchesse o questionário e depois agendássemos a reunião, o que teria poupado a ambos a situação confrangedora que experienciamos.

Quando confrontado com o tema do trabalho, percebi que tinha de enterrar bem fundo o meu George Costanza interior e não fazer o oposto ao que acredito, mesmo que tentado com a oferta de bons honorários.

A situação revelou-se desconfortável para ambas as partes: por um lado estava o pedido de um trabalho ao qual me sentia perfeitamente capaz de desenvolver com sucesso; por outro, o cliente não entendia a razão pela qual estava a rejeitar um projeto bem pago.

Não vou relevar o teor da reunião, pois comprometi-me a isso, mas há temas e pessoas para os quais todo o dinheiro do mundo não chega para eu me envolver. Por exemplo, nunca colaboraria num projeto ligado a temas xenófobos, preconceituosos, pornográficos; ou ligados a pessoas pouco recomendáveis, como burlões, espíritas, videntes, vendedores de banha da cobra; assumidamente ilegais ou cuja legalidade fosse duvidosa; ou, por fim, com partidos ou políticos pouco aconselháveis, tipo Donald Trump.

É verdade que a minha profissão permite-me fazer estas escolhas. Se fosse médico, no consultório ou na mesa de operações trataria todos por igual. Mas, na minha profissão posso dar-me ao luxo de me relacionar com quem desejo.

Depois de alguma insistência por parte daqueles clientes, revelei as razões pelas quais não poderia aceitar aquele projeto, pois fazê-lo era ir contra àquilo que acredito.

Acreditar no que estou a fazer

É necessária convicção para se fazer algo bem-feito. Isto é, não basta perícia técnica ou execução perfeita, é a convicção que tornará o resultado e a experiência memorável. Quero ser claro neste ponto: eu não tenho de gostar do que estou a fazer, o que tenho é de acreditar que aquilo que estou a criar é bom (e vou cingir “bom” aos atributos de útil, positivo, que tem qualidade ou merece aprovação). Por exemplo: posso ser um limpador de esgotos. É difícil encontrar alguém que afirme que essa é uma profissão de sonho. Mas é fácil acreditar que o resultado desse trabalho é bom.

Sentir orgulho no trabalho realizado

De que vale terminar um projeto, até ser bem pago, se o resultado não me orgulha? E pode não ser o resultado só por si, pode ser toda a jornada, desde a interação com as pessoas relacionadas com o projeto, ao processo e condições de trabalho, aos métodos utilizados para se alcançar um resultado, etc. Ou seja, sentirmo-nos orgulhosos de um trabalho é muito mais do que o dinheiro em causa. É sentir que fizemos a diferença.

Desejar mostrá-lo a quem quer que seja sem me sentir melindrado

Não sei como se sentirão aqueles profissionais que assinam cláusulas de confidencialidade que os impede de divulgar o trabalho produzido. Mas, aposto, que alguém que faz um trabalho que o envergonhe deve sentir-se bem pior. É que para mim não há pior sentimento que não assinar um projeto porque não quero que me manche o portfólio. Quem trabalha como criativo, compreende bem este sentimento. E não é só a questão do resultado da criatividade, é muitas vezes o tema, pois, quer queiramos quer não, acabamos por ficar associados a ele.

Poder falar desse trabalho aos meus filhos

Há profissionais cujos trabalhos não podem ser falados à mesa do jantar, por questões de segurança ou confidencialidade. Acredito que isso gere desconforto para todos os membros da família. Mas não é o meu caso. Eu não quero sentir qualquer mal-estar por falar de um projeto que desenvolvi ou ter de viver em segredo. Não combina comigo. Por isso, todo e qualquer projeto que não possa mostrar aos meus filhos, é para ser declinado.

Fazer o contrário ao que se acredita só resultou para o George Costanza!

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