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Maria João Fradique ― A Designer que quer ser livre.


    À hora marcada, num dia cinzento, vi-a chegar. O ponto de encontro foi o restaurante «Verde e Amarelo», na Costa da Caparica.

    Cheguei um pouco mais cedo e escolhi a mesa do canto, junto à janela, em busca de maior recato e silêncio. Na verdade, o meu plano não se concretizou pois o restaurante encheu-se rapidamente.

    Havia um nervoso miúdo em mim, especialmente porque queria que a conversa corresse bem. Aproveitei para rever, uma vez mais, as notas que havia preparado. Embora estas conversas não tenham um guião rígido, é sempre útil construir um plano mental, que nos vai guiando, para não ficarem assuntos por desenvolver.

    Quando, uns dias antes, convidei a Maria João Fradique para participar neste projeto, não esperava que ela aceitasse com tanto entusiasmo. A Maria João é uma designer freelancer multidisciplinar que trabalha em áreas do design gráfico, webdesign e ilustração.

    Conhecemo-nos há cerca de 8 ou 9 anos, quando iniciei funções na Rádio Renascença, no departamento de Internet, para substituir outra colega que estava de licença de maternidade. Confesso que não me recordo quais foram as primeiras impressões com que fiquei da Maria João, naquele primeiro dia de trabalho, mas lembro-me que, passado poucos dias, vendo-me ela que não estava confortável com uma determinada tarefa, ofereceu-me ajuda. E eu fiquei-lhe grato e aliviado. Provavelmente, ela nem imaginou o quanto aquele gesto me ajudou naquele dia.

    A Designer que quer ser livre

    Liberdade. Talvez tenha sido uma das palavras mais utilizadas pela Maria João, ao longo da nossa conversa. Liberdade para viver ao seu ritmo, para seguir as suas escolhas, para trabalhar no que a motiva, para se relacionar com os seus clientes e para se inspirar, criar, ter ideias e sonhos – mesmo que a tecnologia ainda não tenha sido inventada ou exijam enormes recursos para se concretizarem.

    Sentiu esse gosto pela liberdade quando a professora da Escola primária deixou os alunos passarem muito tempo a pintar desenhos; também o sentiu no dia em que recebeu a caixa com 36 canetas carioca que os pais lhe ofereceram – tantas cores, tantas possibilidades…. Compreendeu melhor o que a liberdade é quando em História da Arte ouviu dizer:

    Foi para ser livre que tomou todas as decisões sobre a sua carreira.

    Cresceu e estudou em Almada até ingressar no IADE, nas antigas instalações da Rua Capelo, no Chiado, concluindo o Curso Superior de Design. Recorda-se de como as disciplinas de Desenho Técnico – nomeadamente os exercícios de desenho de malhas, Lettering e Leitura e Análise de Imagem foram marcantes, mesmo que não tenha à época compreendido todo o propósito dos vários exercícios pedidos. Ambos reconhecemos o quão importante foi esta formação nas nossas profissões, especialmente quando olhamos para trabalhos feitos por outros que, embora dominando as ferramentas, desconhecem as regras básicas do design, como alinhamento, repetição, ritmo ou contraste, para nomear algumas. Talvez este seja um sinal de maturidade, quando olhamos para o que nos foi ensinado e somos capazes de aplicar e valorizar esse conhecimento.

    A carreira

    «Outros tempos», começa por dizer. No final dos anos 90, a oferta de designers era menor e por isso se percebe que a Maria João, sem grande esforço, tenha conseguido, logo após terminar a Faculdade, o seu primeiro emprego numa pequena agência de publicidade. Mas cedo percebeu que esse não era o tipo de ambiente e trabalho onde queria estar, especialmente porque, ainda hoje, não se revê no modo como as agências de publicidade impõem o tempo da jornada quase sem horário. É verdade que temos em comum uma carreira afastada das agências de publicidade e, por isso, a minha pergunta era inevitável: «Achas que, se tivesses seguido por esse caminho, a tua situação profissional, hoje, seria diferente?»

    Depois de outras curtas experiências em diferentes empresas, iniciou funções na Rádio Renascença, que à época tinha um departamento de design, no qual se desenvolviam as peças de comunicação. Estava-se em 1997. Aí permaneceu 12 anos, antes de tomar a decisão de trabalhar por conta própria.

    Quando chegou à Rádio Renascença, encontrou um outro ambiente de trabalho, positivo e vibrante. Ao contrário dos anteriores empregos, onde não existia espaço para aprendizagem, na RR teve essa oportunidade.

    Desenvolveu para a Rádio Renascença – e as restantes rádios que lhe pertencem, nomeadamente a RFM e Mega FM – trabalho de design gráfico e webdesign, tendo desenhado várias versões de cada website.

    Neste ponto da nossa conversa entramos no tema mais sensível – a relação entre designers e programadores. É certo que a Maria João nunca sentiu desejo ou gosto por aprender a programar HTML e CSS, mas isso, na sua perspectiva, não é uma limitação. Esse é um debate antigo. Terão os webdesigners obrigatoriamente de saber programar? O caso da Maria João prova que isso não é obrigatório, pois ela encontrou ferramentas que lhe permitem ser autónoma no desenvolvimento de um projeto web, o que para ela é um sinal de que os tempos evoluíram. E isso dá-lhe a liberdade que gosta, não dependendo de programadores, que nem sempre percebem a intensão do designer ou concretizam com rigor o que foi desenhado.

    Sobre essa questão, a relação designers e programadores, mostrei-lhe o meu pronto de vista: num projeto não existe nós (designers) vs eles (programadores), mas, sim, nós (designers + programadores) e o projeto.

    Os desafios de trabalhar por conta própria

    Há cerca de 5 anos, ouvindo a chamada da liberdade, escolheu trabalhar como freelancer. Precisava de outro ritmo – aquele que lhe permite conjugar o trabalho e as atividades que lhe dão prazer. Confessou que se sente verdadeiramente afortunada por, quando se proporciona, poder dar um passeio junto ao mar, a meio da manhã, sem a obrigação de estar um número fixo de horas num posto de trabalho.

    No entanto, como freelancer, debateu-se com uma das suas maiores dificuldades, que até então não havia sentido: o trabalho comercial, a procura de novos clientes e trabalhos. Conta que, anteriormente, eram os clientes que a procuravam por recomendação e, por isso, não se habituou a fazer esse trabalho. Mas existem outras, como a falta de cumprimento nos pagamentos ou os curtos prazos para execução dos pedidos, enumerou.

    E ainda há que mencionar que a crise financeira e económica a que o país tem estado sujeito fê-la perder vários clientes, uns por falta de orçamento, outros porque fecharam os seus negócios.

    Mas aquela que mais preocupa é a desvalorização dos preços de serviços de design.

    “Perdemos o respeito por nós próprios”

    Este é um tema sensível e a Maria João falou dele abertamente, lembrando quando trabalhamos com quem não valoriza o nosso trabalho, ou quando aceitamos ser pagos abaixo do valor do nosso serviço ou, então, quando perdemos o interesse no projeto e limitamo-nos a entregar aquilo que o cliente pediu, sem assegurar a qualidade visual e funcional.

    Já a chegar à sobremesa, começamos a falar sobre as fontes de inspiração, o método de trabalho e relação com os clientes.

    Por norma, gosta muito de fazer pesquisa – «é a minha parte favorita», afirmou – seja em revistas de design ou navegando na internet – e que por esse meio as ideias começam a «ficar no ar». Depois, dependendo do tipo de projeto, ou faz alguns esboços em papel ou parte logo para o computador. Disse que gosta de falar com o cliente para compreender o seu pedido, ao mesmo tempo que acha fundamental explicar-lhe o resultado do trabalho numa linguagem simples e decifrável, sem os jargões estilísticos, cujo uso tem observado noutros designers.

    Algo que me espantou no seu método de trabalho foi o de achar útil entregar ao cliente mais do que uma ideia ou alternativa, pois afirma que, no processo de pesquisa e de inspiração, regularmente tem mais do que uma solução e prefere partilha-las com o cliente. Disse ainda que lhe parece facilitador o cliente ter mais do que uma alternativa.

    Terminámos o almoço e ela estava verdadeiramente feliz com a conversa. Percebi que se sente realizada como designer e que gosta de trabalhar nesta profissão, especialmente porque lhe permite sonhar e ter ideias. E não se importa de partilhá-las com a família, que a escuta. E não admira, pois, como contou, estava ainda na barriga da mãe e já estava envolvida num ambiente criativo, no atelier de arquitetura onde a mãe trabalhava, como contabilista.

    Dos projetos que tem em mãos, nem todos estão relacionados diretamente com design, mas não importa, pois é desse modo que se sente livre, desafiada e realizada.

    Há muitas formas de estar nesta profissão e nenhuma delas é a melhor. A melhor será sempre aquela que permita ao designer sentir-se realizado com os projetos que executa, seja como freelancer, numa agência, numa start-up ou num atelier.

    Maria João Fradique

    Design Gráfico, Webdesign e Ilustração

    http://www.planctondesign.pt/